terça-feira, 5 de março de 2013

Chai para todo mundo!


Chai (Chá indiano - chá preto com especiarias e leite)
Se toma pela manhã no café-da-manhã (com Paranthas) e também as 16 - 17h
Essa receita é para um copo
Ingredientes:
1 copo de leite (aqui eles usam leite integral de bufalo ou de vaca, mas faz-se com o leite que quiser)
1/4 de copo de água
2 colheres de sopa rasas de açúcar (é, eu sei, muito açucar, essa parte é melhor fazer bem ao teu gosto)
1 colher cheia de chá preto (Darjeeling Indiano é o recomendado)
1 pitada de Masala para Chá (moer 2 cardamomos verdes, 4 bolinhas de pimenta preta, noz moscada, uma "unha" de gengibre, 1 folha de manjericão e um pouco de canela - se for possivel procurar colocar algo como 10g de cada ingrediente)
Método:
Põe-se todos os ingredientes em uma panela pequena, espera-se quase ferver, diminui-se o fogo e depois de uns 4 minutos (mexendo um pouco) o chai já vai estar marronzinho e  cheiro de cardamomo vai levantar. Separe o chá e a masala do chai com um coador (não tem problema de escapar um pouquinho) e aproveite!



segunda-feira, 4 de março de 2013

Sob o céu estrelado do Rajastão


Estou num dos melhores trens que já peguei até hoje aqui na Índia, uma linha expressa entre Déli em Amritsar que me leva confortavelmente em 5 horas para Jalandhar. Bom voltar. O sentimento é de que eu vou fazer uma viagem de 10 dias pro Brasil, começando hoje. Caminhando devagarinho pra casa, com uma parada de um pouco mais de uma semana na minha casa indiana para descansar, comprar as coisas que eu quero levar para o Brasil e, se for possível, ir digerindo o que foi a Índia na minha vida nesses últimos 50 dias.

Paredes do palácio da Cidade - Jaipur
Mas eu ainda não contei do Rajastão. Que lugar! Índia boa e Índia má, mas Índia muito linda, meu deus. Eu tinha planejado tudo de Jalandhar (nos mínimos detalhes = tempo livre). Sairia de Jalandhar para Jaipur, de lá para Udaipur, depois,  Jodhpur e, por fim, Jaisalmer, que tem sido alardeada como A cidade para se visitar por esses cantos nos últimos tempos. De expectativas eu carregava as coisas lidas no livro da Luciana Tomasi (Spa na Índia), as coisas vistas nas fotos do Steve Mcurry e muitas outras coisas imaginadas através das buscas pela internet por dicas. Como eu iria viajar sozinha, marquei todos os hotéis, trens e ônibus antes e conferi atrações e restaurantes. Eu sabia que não iria sair tudo como planejado, eu até desejava que assim fosse, só não queria ficar patetiando procurando coisas ao invés de fazendo coisas nos lugares, por que afinal eu só tinha 2 dias em cada cidade. Jaipur foi a cidade de entrada e introdução à lógica de funcionamento dessa terra de marajás. Cada cidade tem seu forte, palácios e lindos havelis (casas antigas de sandstone com fachadas entalhadas). A maioria delas também tem lagos artificiais construídos no período de opulência rajputa para abastecer a cidade com água e mitigar o sol escaldante. 
Pessoal da UFRGS se encontrando por acaso nessa Índia imensa
O palácio da cidade de Jaipur era lindo, com claras influências da arquitetura mogol, mas ainda assim rajastani por que mais colorido e mais brilhante que a austeridade muçulmana/formalidade persa e em todo lado enfeitado com imagens dos pavões e suas penas (comuns na região). Visitando o Hawa Mahal (palácio dos ventos) - bonito por sinal, mas nada importante - encontrei a Thaís e a Bianca, que também estavam aqui na Índia (em Jalandhar) pela AIESEC, e eu conhecia da faculdade. Elas tinham planos diferentes dos meus e já estavam partindo pra Jaisalmer, mas, ao nos ouvir falar português, um homem se aproximou, perguntou "brasileiras?" e ficamos conhecendo o Fábio, paulista, que viajava sozinho, mas em Jaipur andava com um grupo de franceses. Como estava solita também, resolvi juntar-me a eles e foi uma sorte boa tê-lo encontrado, pois viajamos juntos pra todas as próximas cidades e foi muito mais seguro e agradável estar acompanhada. 
Amanhecer em Udaipur

Chegamos em Udaipur por volta das 5 da manhã e eu fui direto pro meu hotel.  meu quarto não estava pronto ainda e eu fiquei observando o sol nascer no terraço do hotel, que tinha uma linda vista pro lago. Maravilhoso ver as cores mudando, as casas acordando, as primeiras mulheres chegando nas escadas da beira do rio para lavar roupas. Essa cidade, ou, na verdade, a parte dela mais voltada para o turismo, era uma delícia. As ruinhas estreitas que irradiavam das pontes do rio eram cheias de havelis transformados em hotéis, lojas e barzinhos, com uma quantidade impressionante de restaurantes em terraços para aproveitar o céu azul e a brisa fresca. Pelo visto Udaipur é destino de jovens mochileiros de todo mundo e também velhinhos aventureiros (principalmente franceses, italianos e ingleses pelo que pude notar). Com esses dois públicos o comércio local evolui em uma combinação agradável de lugares bons para se descansar, comer um almoço chique, apreciar a arte regional (limpos, bonitos, calmos) e lugares bons para se fazer happy hour ou comer ótimos thalis (prato feito indiano) por um preço justo. Como mesmo assim é Índia (a populosa Índia), se ficará bem feliz ao ir ao "sunset point" na margem oposta da agitação e pegar um bondinho até um local para apreciar quase sozinho (ufa!) o ocaso acontecendo na silhueta das ondulações que cercam a cidade. Relaxante. 
O tal do sunset point
Quase tão relaxante quanto a massagem ayurvédica que eu fiz esses dias com uma senhora muito experiente, que esfregou óleo de abacate em mim até que eu quase virasse um abacate. Em Udaipur também pude fazer uma aula de culinária indiana e aprender sobre a combinação de temperos, os métodos básicos de preparação da culinária indiana e muitas receitas gostosas (foram 20 pratos em 4 horas!). Eu já vinha aprendendo com a Chachi em casa, mas ter tudo anotadinho no papel me dá uma segurança meio boba, mas ainda sim válida, de que vou conseguir reproduzir um pouco dessa riqueza gastronômica quando voltar pro Brasil. Tudo que eu comi até agora era muito bom, falando sério (menos water ball, mas né). Qualquer biboca que tu vai tem aquele arroz basmati cheiroso, chapatis quentinhos e um Dahl especial. As pessoas riem quando eu respondo que "sim já passei mal por causa de comida aqui na Índia, duas vezes...e foi por que eu comi demais, muito mais do que eu poderia". Quem não acreditar pergunte aos 3 quilos a mais no meu corpitcho que as balanças daqui acusam. Enfim, deixar Udaipur foi triste e eu cruzava os dedos para que as cidades a seguir fossem tão ou mais interessantes que essa (o que, infelizmente, não se realizou). A estada em Jodhpur foi agradável. Fiquei num hotel mais carinho, que era a casa de um marajá transformada em hotel e pude conversar com a família dona do hotel e eles me contaram várias coisas sobre a vida dos marajás e as tradições rajputas. O forte de Jodhpur era o que tinha melhor estrutura de museu, com partes temáticas muito organizadas e com audio-guia bem-feito incluso no valor da entrada. Fora isso, divertido foi passar um dia todo com a roupa tradicional rajastani (que consiste em uma saia comprida, um top com mangas e uma blusa cavada - as três peças do mesmo tecido - e um lenço grande preso na saia, que dá a volta no corpo e cobre a cabeça - com as cores combinando com o padrão do resto da roupa). Eu achei que ia me "disfarçar", mas ao invés disso, chamei muita atenção e recebi centenas de sorrisos de moças, senhoras e senhores, que comentavam como ficava bem em mim e me falavam que faltavam as pulseiras e o bindi. Que bom que eles acham tão lindo o que é deles. 
Luiza Rajastani causa ribuliço
Jaisalmer era uma cidade pequena, pobre, bem mais para dentro do deserto que as outras e o forte, apesar de bonito, é usado por hotéis, restaurantes e lojas e já faz alguns anos que tem problemas de desmoronamento por causa do mal uso da sua estrutura. Antes do esperado safári de camelo, conseguimos por acaso assitir uma cerimonia de adoração à Lakshmi (divindade da riqueza, esposa de Vishnu), que nos causou uma impressão muito forte pelo vigor do canto, das palmas, da devoção. O safári terminou a viagem de um jeito muito especial. Andar em camelos realmente não é a coisa mais confortável do mundo, mas fizemos a maior parte do trajeto  com um jipe. Mesmo tendo procurado uma agência que alegava bom tratamento aos camelos, não fiquei feliz em controlar o bichinho por um "piercing" no nariz de lado a lado e perceber ele cansado ou contrariado. Ainda bem que foi curto. Chegamos nas dunas lindas um pouco antes do pôr do sol, que foi um show de cores (as fotos podem dizer mais que eu, nesse aspecto). 
Surya!

Gratidão por viver nesse mundo maravilhoso (será que nós achamos a natureza linda por que ela realmente é ou por que ela é a única natureza que nós temos?). Depois fomos pro acampamento, comer uma refeição simples e muito saborosa, temperada com pouca pimenta e muita fome. O céu foi escurecendo e se enchendo de pontos brilhantes de muitos tamanhos, estrelas cadentes e, ao deitar, parecia que eu estava debaixo de uma árvore muito densa e que raioz de luz brancos penetravam nos vãos entre as folhas. Dormir nesse cenário e com o silêncio do deserto foi uma das melhores coisas que eu já vivi. Acordei muito tranquila com um chai quentinho na manhã gelada e depois de mais algum tempo com os camelos nas dunas, partimos. Feliz, muito feliz passeei pela cidade até o horário do meu trem e aqui estou há mais de 20 horas em trens. Foi uma viagem maravilhosa, mas não tão eu-comigo-mesma como eu esperava. Tudo bem, deve ter sido para o bem. E tanto não era pra ficar sozinha, que me foi colocado do lado no trem um indiano muito falante com sua filhota, que preencheram 7 das 15 horas da viagem de jaisalmer até Déli com histórias, pensamentos sobre a vida, a Índia, a carreira e alguma camaradagem (ganhei muito chai e biscoitinhos). Esperando o meu trem chegar na estação conheci uma senhora russa, Natália, que começava a sua 10ª estadia na Índia, para visitar lugares sagrados importantes para os Hare Krishna. Conversamos sobre a natureza de Deus, o por que da existência do mal e se afinal o mundo material é ilusão ou realidade. A nossa conversa acabou, no entanto, no momento em que chegaram duas moças inglesas que pegariam o mesmo trem que eu (para Amritsar) e que tinham acabado de passar o carnaval no Brasil. Passei minhas dicas do Rajastão para elas (elas estão indo depois do passeio pelo Punjab) e elas falamos sobre o Brasil, sobre a maluquice da Índia e sobre a minha ida pra Londres ano que vem (elas insistiram, fazer o que, hehe). 
E foi isso! Cabei de chegar em casa e agora contarei para eles sobre a viagem e tudo mais...Até!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Na Cozinha com as Mães Indianas: Receita de Panner com Pasta de Tomate e Cebola



Uma das primeiras receitas que as moças punjabi recém casadas aprendem! O molho é muito rico e saboroso e o frescor do panner e do coentro contrastam deliciosamente com o gosto quente do tomate, da cebola e dos temperos fortes. Esse molho parece ser versátil e imagino que podes colocar ao final ao invés de queijo, cogumelos, vegetais cozido ou, pros carnívoros, pode acompanhar frango ou algo assim (sei lá, não sei cozinhar com carne).

Aqui no Norte se come com Chapati (tipo  uma panquequinha) mas deve ser gostoso com arroz (principalmente se for basmati!)


Paneer com pasta de tomate e cebola
Ingredientes
2 tomates italianos médios bem picadinhos
1 cebola roxa grande transformada em pasta (no processador ou ralando mesmo)
1 e 1/2 colher de sopa páprica
1 e 1/2 colher de sopa cúrcuma
1 colher de sopa e meia de sal
3/4 xíc. de óleo (pode ser de girassol mesmo)
200g de Paneer* aos cubos
Coentro fresco
Masala**
Água

Como se faz
Numa panela funda (de preferência uma com formato de wok) esquentar mais ou menos dois terços de xícara de óleo, por pouco tempo. Logo depois, acrescentar a pasta de cebola e o sal, e ficar mexendo a mistura em fogo médio para alto por vários minutos até que a pasta esteja ficando marronzinha e querendo grudar na panela. Aqui na Índia não se usa panela com teflon, pelo que vi, e eu não sei como não gruda nada. Acho que é pela quantidade de óleo que vai em tudo (hehe). Nessa pasta bem reduzida e muito quente, onde quase não se enxerga a pasta separada do óleo, acrescentar a páprica e a cúrcuma e após bem misturadas, acresentar os tomates. Agora, espera-se até que o tomate amoleça e vai-se amassando os cubinhos com a colher para que se integrem à pasta de cebola. Agora ela já tem uma cor linda vermelho escura. Uns 5 -7 minutos mexendo e hora de começar a colocar água. Ao todo foram mais ou menos dois copos de água, e o primeiro deles foi acrescentado aos poucos esperando a água se incorporar à mistura. O segundo foi posto todo de uma vez , já em fogo baixo. Depois disso, deixe que a água evapore até que a pasta aguada se torne um molho grosso. Ao final, adicionar o paneer, uma colher de sopa não muito cheia de masala e o coentro fresco picado (aqui se colocou mais ou menos um punhado). Provar, acertar o sal e a masala e bora pra mesa! Ah, cuidado pra não deixar o queijo esquentar muito no molho (por que se não for paneer ou ricota vai derreter).

* Acho que dá pra substituir por queijo minas ou algum tipo de ricota, mas se quiseres quase o gostinho original, o paneer feito em casa é rápido e fácil de fazer.

** Masala é o nome genérico para mistura de especiarias e a sua composição varia consideravelmente de casa para casa e região para região. Um exemplo é: mistura de cravo em pó, cominho, pimenta branca e preta, cardamomo e canela. Podem ser usados também gengibre em pó, funcho, alho em pó, açafrão, anis, coentro em pó e sementes de mostarda. O que dá pra fazer se não tiveres essa misturinha pronta é preparar na hora misturando o que tiveres em casa desses ingredientes descritos acima (acho que 8 diferentes no máximo) e usar na medida que a receita pede. Se não tiveres esses ingredientes, tempere normalmente com pimenta preta, um pouco de canela e cominho.


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Agra e Déli II - Deslumbre arquitetônico!

Fatehpur Sikri

Mas as construções eram lindas! Poder ver o legado do império que promoveu a última era de ouro à civilização indiana foi maravilhoso. Nessa terra colorida e pauperizada as construções Mogol se destacam imponentes, em branco, preto e vermelho. A visita a Fatehpur Sikri, ainda no início da viagem, foi impressionante (acho que foi um dos meus lugares favoritos!). Essa cidade construída por Akbar para celebrar suas vitórias, construída em red sandstone (da região da cidade mesmo) foi o nosso primeiro encontro com a arquitetura Mogol com seus detalhes, com cantos lindamente decorados com padrões geométricos e com pinturas de interiores e mármore branco com pedras incrustadas  formando flores e arabescos. Akbar era um líder sensacional, muito a frente de seu tempo, que governou o subcontinente indiano promovendo o sincretismo (ele tinha três esposas principais: uma hindu, uma cristã e uma muçulmana), abolindo os impostos que não-muçulmanos pagavam por não serem convertidos (jizya) e proibindo a escravidão por conquista, a perseguição religiosa e diminuindo a ostentação da corte Mogol. É muito interessante ler sobre como ele articulava coligações, sempre humilde e ávido por conhecimento, convidando chefes das regiões e seitas a se hospedarem nos seus palácios para ensinarem a ele a zoroastria, o cristianismo, alquimia. Ele foi o primeiro muçulamano a aceitar  e reconhecer a presença portuguesa no continente e justamente, casou-se com um cristã de Goa. Controlava então o subcontinente através das relações entre as elites e do magnetismo que a sua personalidade exercia: Akbar era disciplinado, erudito e progressista. A síntese dessas duas maneiras de governar pode ser reconhecida na espécie de religião criada por ele que pregava a tolerância a todas as crenças, o reconhecimento da existência divina e o estímulo ao estudo racional do transcendente. Akbar era grande e infelizmente ímpar, pois mesmo que a maioria dos imperadores mogóis tenham tentado gerenciar aquela colcha de retalhos que era o hindustan - muitas vezes praticamente "descosturada"- através das alianças com elites diversas, nenhum o fez com a maestria dele. No final do império (e principalmente os dois últimos grandes imperadores) a jizya foi restaurada, a perseguição religiosa e as conversões em massa também. Lá eu estava, portanto, na cidade dele e logo depois visitando a sua tomba, muito bonita cercada de jardins com frágeis antílopes e esquilos, e austera por dentro, para representar a sobriedade e seriedade do imperador.

Escuridão e claridade na vida de Shah Jahan
A história de Shah Jahan, o imperador que construiu o Taj Mahal, não é tão bonita quanto a de Akbar, mas o Taj é realmente uma das coisas mais lindas que já vi na minha vida. Tu vês aquela imagem a tua vida toda, repetidas vezes e em todos os estilos e chegar lá e perceber: é,  aqui estou eu do outro lado do mundo, é sensacional. Nem as milhares de pessoas, nem o cheiro ruim dentro da tumba puderam estragar a impressão de conhecer aquele gigante branco. Ele é lindo de todos os ângulos, como pudemos averiguar passeando por lá e depois admirando-o de longe do Forte de Agra. Acho que todos já sabem que ele foi construído como tumba para a esposa mais amada de Shah Jahan, Mumtaz Mahal, que faleceu ao dar à luz ao décimo quarto filho do casal. Conta-se que ela foi extremamente influente no governo do seu marido que apesar de retrógrado em relação à religião (ele proibiu muçulmanos de trocar de religião e criou uma diferenciação obrigatória de vestes entre os hindus e muçulmanos, depois de um embaraçoso engano dele ao tratar bem um hindu vestido como normalmente fazem os crente no islã), teve alguns avanços na formalização da burocracia do Império. Shah Jahan tinha grande interesse pelas artes (até cantava para convidados especiais) e era apaixonado por arquitetura. Ele crivou Agra e Déli de palácios majestosos e, orgulhoso, inscreveu em um hall para o publico em Déli: "Se houver algum paraíso na terra, é isso aqui, é isso aqui, é isso aqui!" Apesar da opulência e desfrute ao longo de sua vida, Shah Jahan teve um triste fim. Adoentou-se seriamente no meio de sua vida e desencadeou um movimento alucinado de conquista e disputa, por partes de seus filhos (que governavam regiões do domínio mogol) para decidirem a sucessão. Até api tudo normal pro Mogóis, no qual a disputa estre irmãos era quase um rito de passagem para o futuro imperador. A parte terrível/patética é que ele Shah Jahan se recuperou totalmente pouco tempo depois e poderia governar por mais vinte anos, mas os seus filhos já estavam impelidos na luta e não voltariam atrás. Depois de uma traumática e longa guerra o vencedor Aurangzeb, conquistou Agra e aprisionou seu pai no forte da cidade até o final da sua vida, que, com as péssimas condições que a reclusão reservavam, durou apenas mais oito anos.
Lótus Temple
Além das lindas mesquitas, palácios e fortes também visitamos dois templos diferentes, já em Déli. Um deles, o Templo de Lótus, era muito bonito, no formato da flor, com nove entradas e um ambiente sereno e silencioso no interior. Ele é a casa indiana da religião de devoção Bahá'i, uma religião muito louca que prega a abolição das fronteiras, instauração de uma corte mundial de justiça e pretende construir com contribuições diversas uma crença que una todas as devoções do mundo na adoração de um só Deus com muitos nomes. Interessante. O outro templo, o Akshardham Mandir, foi uma interessante surpresa a alguns quilômetros de Déli (muito bem recomendado pela Thaís, apesar de não constar em nenhum site de dicas que eu visitei). O templo celebrava a adoração do Swaminarayan Akshardam (swami é como um sacerdote/santo hindu). Ele era composto por vários jardins, demarcados com portais e colunas maravilhosos, cada um esculpido de maneira diversa, mostrando figuras humanas, elefantes, deuses do hinduísmo e a vegetação do norte e centro da Índia. O nível de detalhamento e qualidade das esculturas era impressionante, quase inacreditável e ficava ainda mais irreal quando se considerava que todo aquele trabalho havia sido feito por voluntários adoradores do swami. Cada elefante com a expressão diferente, com as trombas e texturas da pele tão perfeitas que pareciam que faltava pouco para que eles se descolassem da parede e começassem a andar pelos jardins (uma viagem tipo Dumba bêbado, pra quem teve infância com filmes da Disney). O prédio principal do templo era tão bonito por fora quanto o resto das esculturas e absurdamente lindo por dentro. As figuras de deuses e sacerdotes se multiplicavam pelas paredes de mármore branco e uma grande estátua do Swami feita em ouro repousava no centro de um altar, em posição de meditação. Pudemos ler e ver a história da vida dele em quadros muito bonitos ao longo da volta pelo prédio e ver as maravilhosas figuras das divindades hindus na sua forma dual, sempre com a expressão masculina e feminina da energia do deus, que, pelo que ficamos sabendo, foi uma valiosa recuperação do swami ao culto hindu, que andava se encaminhando pra religiosidade patriarcal e relegando às deusas posições inferiores. Depois dessa volta, ainda passamos algumas horas dando voltas pelo complexo. O clima era agradável e quieto, graças a política do mandir de não aceitar câmeras fotográficas, mochilas, laptops ou celulares. Aproveitamos a vista, conhecemos o lugar e ainda encontramos uma loja de livros ótima dentro do templo, onde compramos livros legais e baratos sobre hinduísmo e vegetarianismo. 

Akshardham Mandir (a foto não é minha, já que não dava pra entrar com máquina)
Já cansadinhas, ainda visitamos dois parques na nossa estada, com características contrastantes. Um era o parque que abriga o India Gate, monumento erigido para homenagear os soldados indianos na segunda guerra mundial. Parque cheio de gente jogando críquete, lanchando com os filhos, curtindo o final de semana. Por que cheio também muito sujo e barulhento. O outro, foi o parque que acompanha parte do rio Yamuna, que corta a cidade de Déli. Íamos em busca do Raj Ghat, onde estavam as cinzas de Gandhi, mas como não sabíamos direito onde ficava e o parque era enorme, demos uma bela caminhada por dentro da área verde planejada e bem cuidada, com vários laguinhos aqui e ali pra descansar e curtir a visão agradável das árvores, da grama, das colinas e lindas pedras distribuídas pelo caminho. O túmulo do Gandhi não foi nada muito emocionante, por que também já era fim do dia e fim da viagem e tudo que queríamos era uma noite de sono e o acerto de contas no hotel, por que já íamos felizes pegar o trem de volta pra nossa casa indiana! E olha só como fomos recebidas:

Cerimônia das luzes dos vizinhos, passando com a caravana aqui em casa



quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Agra e Déli I - Imagens tristes do outro lado da janela


Visitar Agra e Déli foi importante por diversos motivos. O primeiro deles é que eu tive a possibilidade de ver as capitais do período do Império Mogol na Índia, que foi o assunto do meu primeiro trabalho sobre o país. O segundo, que foi a primeira viagem "sozinha" (com a cia da Betty, minha colega de quarto) pela Índia, sem a companhia da minha família indiana que, até agora, tinha feito o meio de campo entre a nova realidade e eu, me protegido, me entretido. O terceiro - e o que bateu mais fundo em mim - eu pude conhecer as condições de duas das maiores cidades indianas: seu ritmo dinâmico, sua desorganização, seus contrastes. Essa postagem, portanto, começa contando da viagem por esse último motivo.
Essa foto é em Jalandhar, imagem leve para o que eu vi depois

A viagem de 11 horas de trem de Jalandar para Agra me deu uma idéia do que são os arredores de uma metrópole por aqui. Foram muitos quilômetros de lixo, montanhas de lixo com pessoas morando nessas montanhas com suas barracas feitas de lona e lixo, queimando lixo pra se esquentar, separando lixo pra vender e, algumas vezes, até comendo lixo. Isso deve existir no Brasil, mas eu nunca vi. Deve existir mas não nessa quantidade. Pensa num "Ilha das Flores" em proporções indianas por 11 horas a poucos metros da janela do teu trem. Cabritos, porcos, corvos e crianças dividindo o mesmo habitat pútrido. Eu vi um bebê, que deveria ter no máximo uns três anos, peladinho, completamente sujo, com a linha inferior do olho pintado de Kajal preto (como a maioria dos bebes aqui) pegando com suas mãozinhas a comida da boca de um porco, que achava legumes fuçando no lixo empilhado. Um porco gordo, cinza, quatro vezes maior do que o nenê. Que brutalidade. Que horror. Não sei o que fazer com essa imagem na minha cabeça. A única coisa de que eu tenho certeza é de que eu deixei nessa viagem um terço da minha esperança num mundo melhor, do meu otimismo para com o hoje e com o futuro. Difícil não se achar ridícula estudando a distribuição das cadeiras no parlamento indiano enquanto isso acontece, na maior parte do país. Eu sei que é interligado, que a política importa para essas pessoas mesmo que elas não saibam, mas né. O nível de estudo das relações internacionais às vezes nos deixa esquecer da parte das vidas existem dentro do país. Ou não é as RI o problema e sou eu, jovem, alienada e achando que produzo conhecimento desse jeito. Difícil também não se sentir ridícula sendo feliz enquanto tanta gente sofre. Claro, às vezes somos prepotentes mesmo ao julgar a pobreza e acreditamos que não ter o que nós temos é sofrimento, quando na verdade, não necessariamente. Aquilo que vi, no entanto, não era condição de vida aceitável para nenhum ser vivo e é o cotidiano de milhões de pessoas. Como eu consigo dormir a noite com isso acontecendo no meu mundo? Com pessoas que são exatamente a mesma coisa que eu. A diferença é que elas nasceram duma barriga diferente, num lugar diferente. Que tipo de justiça é essa? E quem fez isso afinal? Eu? O capitalismo? A humanidade? Deus? É obvio que por mais que isso tenha me chocado absurdamente e esses questionamentos me perturbem por mais um tempo, hora ou outra retorno pro berço esplendido do meu existir, lendo, ouvindo música, saindo com os meus amigos, vivendo o que a sorte reservou pra mim, sem nem pensar no que ela reservou pra ninguém mais. Acho que eu ainda não sei integrar essa consciência em mim sem virar uma náusea pessimista ambulante, uma niilista. E pra viver melhor, esqueço. Talvez um dia eu aprenda. Espero um aprendizado profundo e silencioso, que demore o tempo da decantação dessas coisas que estão na superfície do meu ser para o meu Eu abissal. Vou me esforçar para enxergar a pobreza e a penúria brasileira, com a qual posso me comprometer mais em tentar mudar. Vou lembrar que as minhas decisões profissionais e pessoais podem contribuir muito para a perpetuação (ou atenuação) dessa realidade. Seriedade, portanto. Responsabilidade com tua vida, com lugar em que vives e com essas pessoas que também são tu, por que, afinal, todos estamos conectados na Unidade. 
Vista do meu Hotel, no centro da cidade

A condição já nas cidades também não era muito animadora. Ruas esburacadas, muita gente, muita sujeira, gatos nos fios elétricos, propagandas em cada canto disponível, ausência de calçadas, de placas e de organização. Cachorros de rua como eu nunca vi, caindo aos pedaços com doenças na pele. Por que também são cidades turísticas de um país pobre, sobra gente oferecendo serviços pros estrangeiros. Milhões de hotéis velhos e sujos, um do lado do outro, com seus anúncios em neon falhado, uma profusão inacreditável de tuc-tucs motorizados ou com bicicleta, guias turísticos implorando pra que tu contrate-os. Impossível não se entristecer (e não se irritar também, mas isso é assunto pro motivo 2 da importância da viagem). Eu não me chocava com Jalandhar por que é uma cidade de interior, pobre, sem muitos atrativos, mas essa era a capital do país. Complicado (pra não dizer "foda").

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Bons auspícios aos noivos!


Então eu fui num casamento indiano! E realmente é lindo. Assim como a maior parte da estética indiana, o casamento é redundante em cores, padrões e brilhos. O evento é o ápice da simulação de um cortejo demorado e comemorado que é constítuido por diversas outras cerimônias. Elas são todas seguidas a risca para que o casamento seja prospero Eu não decorei todas elas ainda, mas, a título de exemplo, posso citar a Cerimônia da "Parada" (onde o noivo e a noiva se encontram pela a primeira vez e dizem "sim" ao noivado) e a Cerimônia das Luzes (onde os familiares andas com velas e tambores pela vizinhança avisando a todos que há alegria na sua casa, por que um casamento vai acontecer). Esse processo (do primeiro sim até o casamento) pode durar um mês ou até um ano e depende da vontade e disponibilidade de dinheiro das familias (por que é muito caro fazer tanta festa!). Eu assisti a cerimônia do casamento e a festa antes do dia do casamento da família da noiva. Sobre o resto, eu só vi fotos de outros casamentos e ouvi explicações do pessoal aqui da família. Por isso, vou descrever o que vi no dia do casamento, apenas.
Os casamentos acontecem em "Palácios de Casamento" grandes, com partes cobertas e partes ao ar livre. O palácio é decorado com tecidos translúcidos de várias cores (aqui no Punjab, acho que a combinação mais popular é vermelho e amarelo) e flores combinando (geralmente cravos pequenos). As flores cobrem colunas e estruturas de ferro e arrematam os drapeados dos tecidos. É lindo e provavelmente muito trabalhoso. Mas nada que a opulência populacional indiana não viabilize. Tanto na parte de dentro quanto a de fora há alimentação. Alguns garçons passam com Pakora (vegetais empanados e fritos) pelas mesas e na parte ao ar livre várias banquinhas de comida (bem como as de rua!) servem os convidados em potinhos e pratinhos de plástico. Esse casamento que fui era de uma família pobre, mas o palácio que esles escolheram era enorme para os padrões de salões brasileiros (depois o Jimmy me contou que ele era "médio"). Haviam muitas pessoas e as embalagens e restos de comida logo se amontoavam, já que as poucas lixeiras disponíveis eram ignoradas. Eu comi um picolé de leite que é um dos primeiros que apareceram na Índia, muito bom. Ele tem gostinho de leite com açúcar e pedacinhos de amêndoa misturados. Depois de algum tempo, ouvimos os barulhos de tambores e fomos olhar a chegada do noivo. É comum o noivo vir de carroça decorada ou montado num cavalo branco (isso mesmo, haha), mas eu só assisti a partir do momento que ele entrou no palácio. Ele vem ora andando, ora carregado, cercado por seus familiares e por uma banda de percursão que dá ritmo à caminhada dançante. O homem usa uma espécie de chapéu-turbante coberto de pérolas, do qual uma cortina das mesmas pérolas desce e cobre o rosto. Ela protege o noivo do mau-olhado, nesse dia em que ele étão invejado, me explicou o Jimmy. Lentamente, entre gritos, batuques e notar de rupia atiradas para cima, o noivo e sua caravana se aproximam da entrada do salão, onde as mulheres da família da noiva esperam atrás de uma fita. Antes do noivo alcançar a fita, parentes da família da moça entregam presentes à família do moço. Assim que ele está a frente das mulheres da sua futura esposa, uma negociação demorada e barulhenta se inicia. A mão da moça está sendo barganhada. O noivo chega a empurrar com força as moças do outro lado e tenta rasgar a fita, mas elas resistem até que ele prometa que vai ser um bom marido e jogue dinheiro para elas. Aí, a fita é cortada e ele entra triunfante, com música alta e os amigos gritando e pulando em volta. O noivo se instala em seu trono dourado e espera a a noiva que depois de uma meia hora, aparece do outro lado do salão. Ela vem embaixo de uma teto feito de um pano de seda bordado com pedrarias que é segurado nas pontas pelos seus tios. Com ela embaixo da cabana vem as primas, as amigas e irmãs. A moça veste um pesado sári brilhante, várias jóias vistosoas, um grande anel no piercing do nariz e muita maquiagem. Ela vem com os olhos baixos (para cuidar do sári e por estar tímida) e sem sorriso no rosto. Caminha até o altar do trono e quando o seu noivo se levanta e lhe dá a mão para ajudar a subir, é comemorado o casal. Agora eles começam nova vida juntos. Sentados no trono os dois ficam o resto do casamento, enquanto os famíliares e amigos vem encontrá-los para lhes dar doces (para desejar momentos doces e sorte), colocar colares feitos de rúpias (para desejar prosperidade) e tirar fotos. A partir desse momento a pista de dança está aberta e todos aproveitam bastante ela. Aqui no Punjab o estilo de música que a maioria das pessoas ouvem (imagino que a maioria, por que até agora todos que eu conheci escutavam) é um rap com uma batida característica, que pra mim parece sempre a mesma coisa, mas é gostoso de dançar. Os guris parece que se divertem bem mais, fazendo passos extravagantes com pulos ritmados e jogo de pernas, enquanto as garotas mexem os ombrinhos e fazem mãos a lá indiana. Curtimos um pouco a agitação do pessoal, especialmente a vista graciosa das menininhas de 5, 6 anos totalmente absortas na dança e depois voltamos pra casa. Acho que deu pra ter uma idéia de como é esse evento que é extremamente importante pra vida dos indianos.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

No trem para Agra


Ontem foi um dia cheio. Estávamos tranquilas na loja do Cha cha quando o Jimmy chegou, dizendo que tinha que entregar uns papéis na faculdade dele e perguntando se não gostaríamos de ir junto. A faculdade dele fica em outra cidade e ainda passamos na casa de alguns amigos dele para dar carona. O caminho para a faculdade era feito de fazendas, fábricas de tijolos, plantações de cana de açúcar, de flores, criação de cabritos e, é claro, muitas vacas por todo o lado (eu descobri que as vacas que andam sozinhas pelas ruas da Índia têm dono, elas saem para comer grama por aí e de noite voltam pra casa direitinho!). O college do Jimmy era um complexo de prédios relativamente novos no meio do nada. Tudo meio em construção, meio abandonado, estranho. E eu sei que ele paga caro pelo estudo. Encontramos um dos diretores do college enquanto caminhávamos pelo prédio, um senhor de uns 60 e poucos anos, vestindo um terno claro, cabelo preto pintado bem penteado, um bigode volumoso e um Ray Ban clássico dourado com lentes espelhadas todo torto. Logo que nos viu ficou todo animado com as "estrangeiras" e resolveu nos mostrar as partes novas do prédio, falar sobre a história da faculdade e, é claro, tirar fotos conosco. O Jimmy meio que achava engraçado e meio que achava chato. Ele disse que a turma dele é conhecida por ser bagunceira e não vir nas aulas e que esse diretor odeia eles. Depois da visita ao prédio, demos uma passeada pelo campus e tomamos suco de frutas feito na hora, quer dizer, eles tomaram, por que eu não consigo tomar bebidas salgadas e eles põe sal até no suco. Na volta do college, visitamos um Guru Duara (templo sikh) que tinha no caminho e pegamos um prasàda (que é prato ou refeição) muito eca que eu não consegui comer. Eu já estava chateada por estar sendo tão fresquinha, recusando o suco, não comendo o troço do templo, mas aquele dia eu não tava com a maior capacidade do mundo de aguentar o que eu não queria. Pra completar, quando estávamos indo para o carro um corvo maluco resolve me atacar. Eu não sei se tem corvos no Brasil, mas aqui no Punjab tem vários e eles são enormes, pretos e bicudos. Ele bateu na minha cabeça com o corpo e eu senti as garras dele raspando no meu couro cabeludo. Não foi grave, não me machuquei, mas eu não consegui fazer outra coisa se não chorar. Eu já estava me sentindo mal e estou de TPM, receita pro chororô. Tentei segurar o choro, mas não deu e lá estava eu esfregando a cabeça e chorando, me achando ridícula e o Jimmy e os amigos não entendendo o que estava acontecendo. Acho que eu estava a um tempo guardando todas aquelas mini coisinhas que te chateiam e que tu não pode mudar quando estás hospedado na casa de outra pessoa, dividindo teu espaço com gente nova e elas jorraram pra fora por causa do corvo bobo. Conegui rir um pouco quando disse que o corvo deve ter pensado que o meu cabelo era capim seco e quis pegar, aí ria e as lágrimas pulavam dos meus olhos. Me assustei, parecia uma guriazinha pequena. E eu que não sou muito generosa com as minhas demonstrações de fraqueza (e por consequencia, com as de ninguém) fiquei muito braba comigo mesma, chateada. O Jimmy confirmava o temor do meu ego de ter sido pego desprevinido enquanto me dizia "eu não sei como vocês viajam sozinhas, não dá pra ser assim, tem que ser corajosa enquanto viaja", "o que tu vai fazer se um cachorro tentar te morder?" e coisas do tipo. Merda, agora eu era O bebê chorão. Me deixa extremamente desconfortável ser vista desse jeito, já que eu me esforço brutalmente pra ser reconhecida como a sensata, a racional, a que controla os sentimentos. Bem feito. Valeu corvo, não arranhou a minha cabeça mas alcançou fundo da minha auto-imagem com as tuas garras. Seguimos de carro para o início das elevações da área dos Himalaias para ver macaquinhos. A subida foi muito bonita e o ar fresco e geladinho da montanha aliviava as minhas narinas da poeira usual. Compramos dois sacos de pão de forma para dar pros macacos, mas não saímos do carro. As vacas que ficavam por perto já sabiam que os macacos seriam alimentados e ficaram enfiando a cara pra dentro do carro, querendo roubar o pão. Vacas alucinadinhas engraçadas. Os macaquinhos eram muitos, com o pelo castanho claro e aquela expressão de micos aparentemente tristinha, mas por dentro sapeca. Eles comeram todo o nosso pão e ainda tentaram arrancar pedaços da sacola de plástico que o querido do amigo do Jimmy jogou pela janela do carro sem nenhum pudor, contribuindo pro habitat de lixo amontoado dos bichinhos. Muito errado isso. Gente jovem, educada, jogando lixo assim. Infelizmente não foi a primeira vez que eu vi isso acontecendo aqui e provavelmente não vai ser a última, a julgar pela sujeira que vejo em todos os lugares. Agora estou no trem para Agra, que chegou atrasado em 1 hora e meia na estação, na plataforma errada. Foi uma correria louca pra achar o vagão e nem sei como que nós vamos saber que chegamos em Agra, já que as estações não tem nenhuma placa e nem sinal de voz avisando dentro do trem. Daqui a pouco eu me preocupo com isso, por que a viagem demora onze horas e estamos recém na metade. Por enquanto, desfruto de um mergulho interno bom enquanto a Betty dorme na cama do lado (não sei como, por que a cada 5 segundos passam homens gritando "chai, chai" e abrindo nossas cortinas) e eu ouço meu CD favorito a uns cinco meses, Clube da Esquina. Até!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Cotidiano Indiano


Os últimos dias foram para se viver a rotina normal. Segunda-feira nós ficamos em casa pela manhã, nos preparando para os compromissos que teríamos ao longo do dia. Iríamos à casa da irmã mais velha de Cha cha, por que um amigo da família havia falecido e o velório seria feito num guru duara (templo sikh) perto de lá. Cha chi pediu para que vestíssemos nossas roupas Punjabi recém compradas. Cha cha perguntou-nos se gostaríamos de assistir a cerimonia do velório. Para os sikhs, assim como os hindus, ela envolve a cremação do corpo em um lugar aberto e ele temia que nos assustássemos  Betty disse que preferia não ire eu disse firmemente (tentando parecer decidida sem transparecer a curiosidade mórbida como motivação) que gostaria de acompanhá-los. A casa da irmã de Cha cha era parecida com a nossa, mas ficava numa zona mais nobre. É engraçado como as casas grandes, construídas em arquitetura que ostenta riqueza com detalhes em dourado e mármore (e muitas vezes com o nome e ocupação - se for uma boa como advogado ou médico - dos donos escritos na frente) contrasta com as ruas sem asfalto e a inexistência de calçadas. Uma coisa notável a ser dita sobre as casas na Índia (claro, baseada apenas nas três que eu já visitei) é a funcionalidade dos cômodos da casa, um tanto diferente do padrão ocidental. Eles tem salas de estar e salas de jantar como nós, mas raramente são usadas (apenas para festas) (pausa)

Meu deus, parei de escrever aqui por que tinha um elefante na frente de casa! Passando assim, tranquilo, com seu dono... Falamos com o senhor que andava em cima dele e demos uma volta na quadra com o elefante. Ele parecia cansado e meio triste aí quase fiquei chateada também, apesar da emoção de estar pertinho de um, de fazer carinho nele, de ver ele tomando água. 



(continuando) o centro de reunião da família e dos convidados, é na verdade, o quarto do casal dono da casa e, masi especificamente, a cama deles. Um convidado ser bem recebido significa sentar ou deitar na cama principal (que geralmente é bem grande) e ficar lá conversando, comendo ou tomando chai. Acho que isso representa bem duas coisas sobre as famílias indianas: a primeira é que os donos da casa, chefes da família, controlam toda a movimentação dos filhos, dos amigos deles, dos vizinhos; e a segunda é que, assim como no Brasil, o tratamento dispensado aos convidados é aos familiares é muito caloroso e amigável. Como de costume, portanto, fomos muito bem recebidos, com um almoço  gostoso e variado. Ficamos toda a tarde brincando com o sobrinho neto de Cha cha e Cha chi, de dois anos e meio. Menino esperto, sapeca e carinhoso, logo estava nos chamando de Didi (irmã mais velha). Enquanto Betty ficou lá, acompanhei os adultos para o funeral. Foi triste como deveria ser. Para a cremação, eles colocam lenha leve na pedra especial para isso, colocam o corpo coberto de panos por cima, depois outra camada de lenha pesada e acendem uma fogueira alta enquanto rezam. Eu não imagino qual seria a solução encontrada na atualidade (com a população desse tamanho) se o costume das religiões mais populares fosse enterrar seus mortos. 
Em casa, pela noite, conversamos sobre política na Índia e eles me contaram sobre a corrupção, a ineficiencia do Estado, e a sua insatisfação com a política de cotas para castas mais baixas nos postos do funcionalismo público. O tamanho do reclame era um tanto maior que o da classe média brasileira (por que aqui a pobreza é maior, a insegurança é maior e o suborno quase oficial), mas o conteúdo, quase o mesmo. Eles explicaram que, por esses problemas, votam na oposição (Partido BJP). De qualquer maneira, disseram-me, os problemas não serão resolvidos, visto que a polícia e a justiça não funcionam e a chance de eleição de maioria do BJP no parlamento (que para eles atenuaria os problemas) é remota. A solução da família com a qual estou ficando foi fazer um planejamento de longo prazo para mandar seus filhos para o Canadá e, depois de aposentados na Índia, viverem todos o "indian style of life" num país desenvolvido e pacífico. Nessas palavras, eles me esclarecem a sua opinião: o lado bom da Índia são os casamentos estáveis, a comida e os filhos obediente; e o lado ruim da Índia é o seu "sistema" - desorganização, fofoca e corrupção. Não os culpo por quererem uma vida melhor. Me entristece pensar, no entanto, que a classe média e classe média alta de todo país pode pensar como eles e, assim, esse país com grandes potencialidades e desafios a vencer ficará sem pessoas educadas engajadas no projeto nacional. É uma pena e, acima de tudo, um perigo, pois esse caldeirão de insatisfações e crescente população vai crescer e se mover sem uma lógica de resultados ou desenvolvimento efetivo. Aí está a receita para a instabilidade interna e, devido a posição geopolítica estratégica da Índia, para a instabilidade regional e internacional.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Guru Duara e Mandir - As primeiras experiências do sagrado na Índia

O domingo foi extremamente produtivo. Acordamos bem cedo e Cha cha fez yoga conosco. Ele faz os mesmos exercícios de desbloqueio das articulações que eu e achou muito engraçado que eu conhecia eles. Ensinou um tipo de exercício respiratório, que era um bem avançado, pobrezinha da Betty. De qualquer jeito, foi muito bom fazer yoga pela mamhã antes do dia começar. É impressionante como eu me sinto mais disposta, mais atenta, mais consciente depois da prática. Hoje teríamos um dia longo, planejávamos visitar dois templos na cidade, mas distantes daqui e depois ir às compras. Eu tinha uma desculpa para me empanturrar no café da manhã e assim o fiz. Hoje tivemos café especial do dia da república (que foi comemorado por todo final de semana): Pronta (que se pronuncia Prôn rá) com couve flor ralada, cebola roxa e temperinho verde. Muiito muito bom! Não sei se já comentei, mas nas três refeições se come o mesmo tipo de comida. Não tem nenhuma diferença entre o café e as outras duas, a não ser a bebida que de manhã é chai (chá preto indiano com leite e muiiiiito açúcar) e no almoço e janta pode ser tanto lassi (iogurte com água ou suco e açucar) quanto pani (água, que é servida em copinhos de metal bonitinhos). Passamos a manhã na loja de Cha cha e ele nos ensinou palavras e frases curtas em Punjabi. A diversão dele foi assistir a incapacidade da Betty de pronunciar o "erre", falando "éle" no lugar. Difícil falar punjabi sem erres... Cha cha é muito amável e tem muito gosto em nos ensinar. Ele responde com o máximo de vocabulário que pode nossas perguntas sobre a Índia, o sikhismo e o Punjab. Acho muito interessante como uma família religiosa como essa pode ser tolerante o suficiente para receber e tratar bem pessoas de lugares tao diferentes do mundo, com culturas que muitas vezes parecem se opor. A questão do casamento arranjado, por exemplo, para mim é pouco compreensível e, para eles, uma conduta normal. Conversamos sobre isso pela noite e ele e Cha chi apresentaram os seus motivos para acreditar que esse sistema funciona. Ainda não quero escrever sobre isso aqui, pois mesmo depois das explicações deles e de ver minimamente como se dá a escolha, continuo com as mesmas opiniões que tinha sobre assunto antes de vir para a Índia. Acredito que isso acontece por que eu ainda não tive a humildade e tranquilidade suficiente para perceber o outro e entender o contexto em que esses costumes se processam. Assim que eu tiver uma ideia mais madura do que é viver em um país onde a pessoa não escolhe com quem quer passar o resto da vida (por que eles de fato passam) faço um post extra para contar como funciona. Duas coisas valem ser ditas, por enquanto: o sistema de castas, embora ilegal, ainda parece reger a vida dos indianos que não vivem nas grandes cidades; e o sistema de dotes e casamento arranjado é prática comum. Bom, voltando ao que fizemos no dia, uma das experiencias mais interessantes foi o almoço no templo Sikh (Guru Duara, em Punjabi). O templo era um complexo de mais ou menos uma quadra. Entramos no comodo que guardava o livro sagrado, fizemos reverencias e seguimos para um grande salão de pedra, onde sentamos no chão para ganhar o almoço. Todos os templos Sikhs tem cozinhas e oferecem comida de graça para todos os visitantes. O chão estava cheio de comida, mas sentamos e recebemos os pratos de metal estilo bandeja  e Pronta, Dhal, salada e um delicioso arroz basmati doce com açafrão. Sentar no chão é condição para receber a comida, pois é um sinal de que ninguém está acima de ninguém, uma ideia bem revolucionária para a Índia estamental. Foi interessante e acredito que engrandecedor compartilhar a comida com tantas pessoas, todos próximos uns dos outros e no mesmo nível. A visita ao templo hindu (Mandar, em Punjabi) foi esquisita. A família com a qual estou não gosta da tradição hindu (os sikhs nasceram para se opor ao politeísmo, aos rituais e às superstições), e por isso, ao contrario da visita ao templo sikh, não houve nenhuma reverência, silêncio ou sentimento de que adentrávamos num lugar sagrado. O lugar também não ajudou. Parecia um parque de diversões bizarro, onde as divindades hindus eram os personagens. As esculturas eram feitas de um material simples, pintadas com tintas modernas e haviam caminhos por dentro de uma grande pedra que simbolizava o monte sagrado. Como eu gosto da mitologia hindu, foi interessante ver as pinturas, as pessoas devotas (mesmo que fossem muitas e muito barulhentas) e eu ganhei uma flor do senhor que cuidava do Shiva Linga, o que foi muito especial e agradeci imensamente, imaginando que essa flor e Shiva iriam me abençoar com fertilidade no momento que eu quiser ter filhos. Além de todo esse clima, a impressão lúdica do lugar foi acentuada pela nova atração turística para os indianos: eu. Alta, loira e branca, fui alvo de olhares desconfiados, interessados e jocosos e tirei muitas fotos com gente que não conhecia. Os adolescentes vinham um pouco envergonhados dizer: minha mãe não fala inglês, mas ela gostaria de tirar uma foto contigo, e em seguida eu estava sendo abraçada por uma senhora sorridente. A parte das fotos foi muito fofa, mas todo mundo ficar te encarando é um tanto sinistro. À noite no shopping comprei vários trajes Punjabi para me camuflar, vamos ver se funciona.


sábado, 26 de janeiro de 2013

No Norte!



A viagem de ônibus foi estranha. Eu achava que não estava com sono, mas as dormi umas 6 horas das dez que demoravam para chegar em Jalandhar. Dormi com luz, música pop punjabi alta no dvd do ônibus e a tão famosa sinfonia de buzinas ininterrupta. Paramos apenas uma vez, numa espécie de hotel-parada com parquinho para crianças. Desci do ônibus sonolenta, com muito frio e totalmente perdida. Já era pra eu estar com fome a essa hora, mas nada. Acho que eu fico assim, com os sentidos e necessidades meio suspendidas quando nervosa. O lugar era muito caricato, com tendinhas fake vendendo mel, comidas e frutas. Um dos restaurantes (o maior dos dois que haviam)  era totalmente vegetariano, mas não me animei a pedir nada além de um café com leite. Eu só não estava mais deslocada que um velhinho, com a maior pinta de inglês, de camisa branca e um casaco do metrô de Londres, que tomava um milkshake meio desconfiado. Acho que só nos dois nesse lugar não éramos indianos. Além dessa visão esquisita da hotel-parada, as outras que passaram pelas grandes janelas do ônibus não chamaram a atenção. Muitas cidades do interior, todas muito pobres e cor de areia. Chegar em Jalandhar e encontrar Jimmy na parada do ônibus foi um alívio. A minha peregrinação tinha terminado, ufa. Ele veio me buscar com a minha colega de quarto, uma querida chinesinha, Lingrong Ye, que chamamos de Betty. Niguém conseguia falar o meu nome, então eu disse que poderiam me chamar de Lu. Jimmy riu muito e disse que Lu em punjabi quer dizer quente (que como no inglês  pode ser quente e, na gíria, gostosa). Ok, ok me chamem como quiserem/conseguirem (agora dentro de casa eles me chamam de Lu, mas na rua, de algo como Liítza). A mãe e o pai da família me receberam tão bem quanto Jimmy, com abraços e boas vindas. Me pediram para sentar na cama com eles (onde também estavam Jimmy e Betty) e perguntaram sobre a viagem, sobre como eu me sentia e falaram que eu agora estava em casa. Ofereceram suco, um computador para falar com a minha família e avisaram que quando eu quisesse Cha chi (a mãe) serviria o jantar pra mim. Muita amados, que bom, vai ser ótimo. A comida de Cha chi é famosa por ser muito boa e eu comi muito (muito mais do que eu como normalmente) em todas as refeições, apesar de até agora não ter sentido fome. Elem não param de me servir coisas diferentes e, gente, é muito diferente mesmo. A base da refeição é o Chapati, uma panquequinha sem ovos, que é usada para recolher com as mãos os outros pratos que podem ser Dahl (lentilha, grão de bico ou feijão cozidos e temperados), conservas em geral (muito boas e picantes, de pelo menos três tipos diferentes) e Raita (iogurte com sal, especiarias e alguma outra coisa como grãos ou frutas). Já estou dominando bem a arte de fazer mini cones com pedaços do Chapati para colocar o resto e boca a dentro. Ficaram animados quando disse que era vegetariana e eu aproveitei e contei causos engraçados que permeiam a vida de vegetarianos no Brasil. Cha chi disse que vai me ensinar receitas se eu acordar antes das oito, que é quando ela começa a cozinhar. Eu não consegui dormir mais do que isso nessa noite em que eu deveria estar cansada, então parece que vai dar. Hoje fomos com Cha cha (o pai) aprender a vender ouro (eles tem duas lojas de jóias na cidade). Era feriado nacional (dia da república aqui) e a loja não teve movimento. Foi muito divertido de qualquer maneira, por que ele ficou fazendo truques de mágica e nos mostrando vídeos do ano novo deles, com todo mundo dançando. O melhor do dia, no entanto, ainda foi a ida ao centro comercial pela manhã. Ele é distante uns dez minutos de casa e fomos de moto até lá. Sentir o vento gelado no rosto nessa manhã clara, podendo ver as pessoas começando seus afazeres matinais, a cidade funcionando e viver mais de perto o transito maluquinho foi extremamente revigorante. Era a vida ordinária para todos e para mim, recém chegada, curioso. Uma sensação muito engraçada de fazer parte do mundo normal indiano (a cidade não é turística  nem cosmopolita), se sentir acolhida (graças aos meus queridos anfitriões) e saber, ao mesmo tempo, que nada de mim pertence a esse lugar, a  esse modo de vida, a essas pessoas que vivem do outro lado do mundo (tendo como referência o que eu acho que é meu lar). Agora vou descansar um pouco e esperar Cha cha voltar. Ele me prometeu que contaria a história dos Sikhs (a religião da família) e conversaríamos sobre a Índia antiga. Ele parece saber muito de história e tem paciência para explicar tudo. Estou com meu caderninho (viu, Ju) a postos!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Novas Impressões em Nova Déli

Cheguei em Nova Déli. Fiz dois amigos indianos durante o voo. Eles trabalham metade do ano no Brasil e metade na Índia. Conhecem Porto Alegre e tudo. Me ajudaram bastante, sempre queridos e prestativos e deram uma leve atrapalhadinha no final. Queriam me levar até o lugar onde eu pegaria o ônibus para Jalandhar. Eu explicava que já tinha comprado a passagem e sabia o nome da empresa e eles indignados dizendo que não existiam ônibus interestaduais saindo do aeroporto. Depois de perguntarem pra várias pessoas eles descobriram um cara da empresa. Começaram mansinho perguntando coisas e logo (parecia pra mim) se desenrolou uma discussão meio tensa. O cara alto de turbante vermelho da indo-canadian buses negava algo, muito sério, aos meus amigos baixinhos. Eles me traduziram desesperados que só haveria ônibus às 12 horas. Eram 10 horas da manhã. Eu fiquei aliviada com o tamanho do problema, já que, nessas ultimas 30 horas, um terço delas eu havia passado esperando avião. 2 horinhas não iriam me matar. Mostrei o bilhete do ônibus impresso pro cara da companhia que mexeu a cabeça (indianamente, uma mistura de sim e não graciosa e indecifrável) e disse: Follow me (Siga me). Eu o segui meio correndo com minhas malas bambas no carrinho - pensava que ele me daria um bilhete novo, com a hora da partida escrita ou que iria guardar minha bagagem. Os meus amigos continuavam me acompanhando correndo na minha volta, sem saber o que estava acontecendo. Os sapatos pretos com a fita vermelha para combinar com o turbante davam passos rápidos carregando a atmosfera de urgência. Chegando ao lugar desejado, que no caso era um banco qualquer fora do aeroporto, o cara disse, muito sério: Now seat here and wait til twelve (Agora sente e espere até às doze). Essa foi boa. Agradeci, dei tchauzinho pra esse maluco e empreendi a árdua tarefa de convencer meus novos amigos de que eu ficaria bem, voltaria pro aeroporto acessaria a internet, comeria algo e pegaria o ônibus certinho às doze horas. Eles me deixaram sozinha meio a contragosto e eu não tive como não levar a sério a preocupação deles. Um tanto apreensiva com a minha situação e lembrando da cara feia que o homem da indo-canadian fez pra mim (uma mistura de desprezo e irritação) voltei pro aeroporto. Essa parte do Aeroporto Indira Gandhi era estranha e vazia. Policiais pesadamente armados te olhavam com jeito de poucos amigos e a sensação de que ser estrangeira também queria dizer ser boba e desprezada apertava meu estômago.  Tá vou focar em achar Wi-fi decente e viver a alegria parte real e parte artificial de estar conectada com o mundo, praticamente semi-onisciente. Nenhum sinal grátis e os pagos precisavam de um numero de telefone local. Droga. Sozinha, sem comunicação, num cenário um tanto hostil. Choro embolou na garganta enquanto eu comia a minha primeira refeição absurdamente apimentada da viagem. Mas ia fazer beicinho pra quem? Pensei em ordem: 20 anos, tu escolheu, agora aguenta. Engole o choro, como dizia a mãe. Fui me acalmando e elevando os pensamentos. Aos poucos uma sensação de expectativa e felicidade me tomava, enquanto eu pensava em como era sensacional estar aqui. Se eu pulo de felicidade ao saber que tem um festival de filmes indianos em Porto Alegre, qual não deve ser o tamanho da minha satisfação por poder ver ao vivo e sentir essa realidade pela qual me interesso tanto. Além disso, me motivei a melhorar por que lembrei que não dá pra bobear e ficar emanando energia de baixa frequência por aí, que só dá porcaria. A minha mala, mesmo cercada de boas energias, não abriu pra que eu pudesse pegar um casaco que me ajudasse a enfrentar a neblina e os oito graus em Déli. Om Namo Narayanaya, deus dá o frio conforme o cobertor. O tempo abriu e agora um sol bonito e quente queima a minha cara enquanto espero o ônibus. Hari Om

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Bem longe ainda

Ok, a senhora que me atendeu no guichê da Emirates disse: "Agora, recolher as bagagens só em Déli". Soou fundo em mim essa frase. Foi como se ela dissesse: "Agora, só falar a língua que não é tua, ir para lugares que tu não conhece, sem ninguém para te ajudar e sem garantia de encontrar ou reconhecer companhias confiáveis". Coragem. Nesses meses, dias e horas antes de entrar no avião eu permaneci, na maioria das vezes, tranquila e, se preocupada com algo, pensava que iria esquecer de levar algo na mala, só isso. Eu sou muito otimista. Confio no mundo e confio no meu taco, mais do que a maioria das pessoas. Deve ser por que eu sou jovem e bem protegida. Nunca o tamanho simbólico da viagem em si se desvelou pra mim, nem de perto (da quilometragem nem tanto, também), mas a ideia de que ir para Índia não era uma coisa banal ou ordinária nunca existiu dentro da minha cabeça. Aos poucos, o ambiente foi me mostrando que eu estava saindo do meu lugar de comodidade e costume no mundo e iria conhecer realidades distintas. De verdade. Ir para os Estados Unidos não foi isso, ir para lugares clássicos da Europa não foi isso. O fato de eu estar sozinha, com certeza, aumenta minha atenção aos detalhes em volta. As pessoas na fila do check-in da Emirates eram tão diferentes umas das outras que quase não parecia que algum dia eles pertenceriam ao mesmo grupo - provavelmente não por interesses comuns ou experiências compartilhadas - a não ser esse, dos passageiros do voo EK0248 para Dubai. Tinha uma moça de olhos puxados, coturnos, vestido de renda branco com uma cauda enorme e duas bagagens: uma lancheira e uma mochila-mala infantil do Bob Esponja. Tem um grupo de sete caras altos, morenos e bonitos sentados do meu lado na praça de alimentação que pelo que eu consegui reconhecer (adivinhar?) falam árabe e agora jogam algum tipo de jogo de cartas que envolve mais palavras e movimentos corporais (como levantar e simular uma cabeçada de futebol) do que de fato olhar as cartas. E o que devo ser eu, uma guria novinha, sozinha, com cara de assustada, imagino, brasileira e "não parece brasileira" como já me disseram dois nesse inicio de viagem e tantas vezes nas minhas outras viagens. Estranha, no mínimo. Vai mundo, me mostra tuas caras loucas, peculiares e comuns. Vai, Luiza, desfaz e refaz tuas imagens de si mesma. Há de promover estranhamento saudável e não-confortável, essa exposição. Tomara que eu tenha fôlego.


Voo para Dubai atrasado: de saída às 3:00 am para às 5:30 am :)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Amanhã vou-me! (e bem-vindos!)


E eu vou pra Índia. Não parece muito tempo, 47 dias de estada. Pessoas têm me dito que é bastante tempo, ainda mais num país tão diferente do meu país natal, tão longe. Vou descobrir se é ou não. Provavelmente essa minha impressão (da quantidade de tempo) vai depender do tipo de experiência que eu terei lá. Pra saudade eu espero que seja pouco tempo. Pro aprendizado eu espero que seja um tempo longo, bem aproveitado, e que ele não termine (como não começou) na viagem, só se intensifique no período dela. Faz três anos que comecei a me interessar pela Índia (primeiro com o yoga, o hinduísmo e depois com a curiosidade científica, na faculdade). Acredito que esse interesse perdurará e tenho quase certeza – toda a certeza que se pode ter num mundo de infinitas possibilidades – que não será a última vez que visitarei esse país. Estou indo viajar através de uma instituição sem fins lucrativos (AIESEC) que promove o intercâmbio de estudantes pelo mundo, queiram eles trabalhar de forma remunerada ou não remunerada nos países. Esses estudantes são engajados em projetos que tem como objetivo comum e maior a troca cultural. Eu, portanto, com a minha bagagem de mão, de vida vivida e pra viver, vou oferecer a força de vontade e a novidade da minha juventude a uma comunidade em Jalandhar, no Punjab, norte da Índia. Do meu lado dos objetivos, existe aquele que permeia toda minha vida (ou espero que permeie): o do autoconhecimento, do desenvolvimento pessoal baseado no amor, na gratidão e no respeito, e da integração do meu eu comigo mesma e através disso, minha integração com o universo. A Índia, eu sinto e leio e entendo, é um país que concentra conhecimento de sobra sobre as transcendências e o sagrado, coisa que não nos falta brutalmente no Brasil, mas na percepção do ocidente como um todo, falta. O meio para alcançar meus objetivos através da viagem é, portanto, absorver, aprender, observar. Estar atenta ao presente e guardar dentro de mim o que seja significativo. Essa posição de aprendiz na filosofia indiana, é indicada como a primeira fase da vida de todos nós, onde somos, principalmente, estudantes (sisya em sânscrito, por isso o nome do blog) e devemos seguir nossos gurus com disciplina obediência e calma. Espero que eu seja sisya e antevasin (aquele que serve e acompanha seu guru) para a Índia, assim como eu sei que ela será um sábio e generoso guru. Quem quiser acompanhar o meu caminho por aqui, é muito bem vindo. Seja para descobrir coisas sobre esse país maluco que é a Índia ou pra trocar ideias sobre questões mais universais, cheguem mais e preencham esse espaço de diálogo comigo! Desejem-me bons auspícios! Shanti Shantiii