Os últimos dias foram para se viver a rotina normal. Segunda-feira nós ficamos em casa pela manhã, nos preparando para os compromissos que teríamos ao longo do dia. Iríamos à casa da irmã mais velha de Cha cha, por que um amigo da família havia falecido e o velório seria feito num guru duara (templo sikh) perto de lá. Cha chi pediu para que vestíssemos nossas roupas Punjabi recém compradas. Cha cha perguntou-nos se gostaríamos de assistir a cerimonia do velório. Para os sikhs, assim como os hindus, ela envolve a cremação do corpo em um lugar aberto e ele temia que nos assustássemos Betty disse que preferia não ire eu disse firmemente (tentando parecer decidida sem transparecer a curiosidade mórbida como motivação) que gostaria de acompanhá-los. A casa da irmã de Cha cha era parecida com a nossa, mas ficava numa zona mais nobre. É engraçado como as casas grandes, construídas em arquitetura que ostenta riqueza com detalhes em dourado e mármore (e muitas vezes com o nome e ocupação - se for uma boa como advogado ou médico - dos donos escritos na frente) contrasta com as ruas sem asfalto e a inexistência de calçadas. Uma coisa notável a ser dita sobre as casas na Índia (claro, baseada apenas nas três que eu já visitei) é a funcionalidade dos cômodos da casa, um tanto diferente do padrão ocidental. Eles tem salas de estar e salas de jantar como nós, mas raramente são usadas (apenas para festas) (pausa)
Meu deus, parei de escrever aqui por que tinha um elefante na frente de casa! Passando assim, tranquilo, com seu dono... Falamos com o senhor que andava em cima dele e demos uma volta na quadra com o elefante. Ele parecia cansado e meio triste aí quase fiquei chateada também, apesar da emoção de estar pertinho de um, de fazer carinho nele, de ver ele tomando água.
(continuando) o centro de reunião da família e dos convidados, é na verdade, o quarto do casal dono da casa e, masi especificamente, a cama deles. Um convidado ser bem recebido significa sentar ou deitar na cama principal (que geralmente é bem grande) e ficar lá conversando, comendo ou tomando chai. Acho que isso representa bem duas coisas sobre as famílias indianas: a primeira é que os donos da casa, chefes da família, controlam toda a movimentação dos filhos, dos amigos deles, dos vizinhos; e a segunda é que, assim como no Brasil, o tratamento dispensado aos convidados é aos familiares é muito caloroso e amigável. Como de costume, portanto, fomos muito bem recebidos, com um almoço gostoso e variado. Ficamos toda a tarde brincando com o sobrinho neto de Cha cha e Cha chi, de dois anos e meio. Menino esperto, sapeca e carinhoso, logo estava nos chamando de Didi (irmã mais velha). Enquanto Betty ficou lá, acompanhei os adultos para o funeral. Foi triste como deveria ser. Para a cremação, eles colocam lenha leve na pedra especial para isso, colocam o corpo coberto de panos por cima, depois outra camada de lenha pesada e acendem uma fogueira alta enquanto rezam. Eu não imagino qual seria a solução encontrada na atualidade (com a população desse tamanho) se o costume das religiões mais populares fosse enterrar seus mortos.
Em casa, pela noite, conversamos sobre política na Índia e eles me contaram sobre a corrupção, a ineficiencia do Estado, e a sua insatisfação com a política de cotas para castas mais baixas nos postos do funcionalismo público. O tamanho do reclame era um tanto maior que o da classe média brasileira (por que aqui a pobreza é maior, a insegurança é maior e o suborno quase oficial), mas o conteúdo, quase o mesmo. Eles explicaram que, por esses problemas, votam na oposição (Partido BJP). De qualquer maneira, disseram-me, os problemas não serão resolvidos, visto que a polícia e a justiça não funcionam e a chance de eleição de maioria do BJP no parlamento (que para eles atenuaria os problemas) é remota. A solução da família com a qual estou ficando foi fazer um planejamento de longo prazo para mandar seus filhos para o Canadá e, depois de aposentados na Índia, viverem todos o "indian style of life" num país desenvolvido e pacífico. Nessas palavras, eles me esclarecem a sua opinião: o lado bom da Índia são os casamentos estáveis, a comida e os filhos obediente; e o lado ruim da Índia é o seu "sistema" - desorganização, fofoca e corrupção. Não os culpo por quererem uma vida melhor. Me entristece pensar, no entanto, que a classe média e classe média alta de todo país pode pensar como eles e, assim, esse país com grandes potencialidades e desafios a vencer ficará sem pessoas educadas engajadas no projeto nacional. É uma pena e, acima de tudo, um perigo, pois esse caldeirão de insatisfações e crescente população vai crescer e se mover sem uma lógica de resultados ou desenvolvimento efetivo. Aí está a receita para a instabilidade interna e, devido a posição geopolítica estratégica da Índia, para a instabilidade regional e internacional.