quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Cotidiano Indiano


Os últimos dias foram para se viver a rotina normal. Segunda-feira nós ficamos em casa pela manhã, nos preparando para os compromissos que teríamos ao longo do dia. Iríamos à casa da irmã mais velha de Cha cha, por que um amigo da família havia falecido e o velório seria feito num guru duara (templo sikh) perto de lá. Cha chi pediu para que vestíssemos nossas roupas Punjabi recém compradas. Cha cha perguntou-nos se gostaríamos de assistir a cerimonia do velório. Para os sikhs, assim como os hindus, ela envolve a cremação do corpo em um lugar aberto e ele temia que nos assustássemos  Betty disse que preferia não ire eu disse firmemente (tentando parecer decidida sem transparecer a curiosidade mórbida como motivação) que gostaria de acompanhá-los. A casa da irmã de Cha cha era parecida com a nossa, mas ficava numa zona mais nobre. É engraçado como as casas grandes, construídas em arquitetura que ostenta riqueza com detalhes em dourado e mármore (e muitas vezes com o nome e ocupação - se for uma boa como advogado ou médico - dos donos escritos na frente) contrasta com as ruas sem asfalto e a inexistência de calçadas. Uma coisa notável a ser dita sobre as casas na Índia (claro, baseada apenas nas três que eu já visitei) é a funcionalidade dos cômodos da casa, um tanto diferente do padrão ocidental. Eles tem salas de estar e salas de jantar como nós, mas raramente são usadas (apenas para festas) (pausa)

Meu deus, parei de escrever aqui por que tinha um elefante na frente de casa! Passando assim, tranquilo, com seu dono... Falamos com o senhor que andava em cima dele e demos uma volta na quadra com o elefante. Ele parecia cansado e meio triste aí quase fiquei chateada também, apesar da emoção de estar pertinho de um, de fazer carinho nele, de ver ele tomando água. 



(continuando) o centro de reunião da família e dos convidados, é na verdade, o quarto do casal dono da casa e, masi especificamente, a cama deles. Um convidado ser bem recebido significa sentar ou deitar na cama principal (que geralmente é bem grande) e ficar lá conversando, comendo ou tomando chai. Acho que isso representa bem duas coisas sobre as famílias indianas: a primeira é que os donos da casa, chefes da família, controlam toda a movimentação dos filhos, dos amigos deles, dos vizinhos; e a segunda é que, assim como no Brasil, o tratamento dispensado aos convidados é aos familiares é muito caloroso e amigável. Como de costume, portanto, fomos muito bem recebidos, com um almoço  gostoso e variado. Ficamos toda a tarde brincando com o sobrinho neto de Cha cha e Cha chi, de dois anos e meio. Menino esperto, sapeca e carinhoso, logo estava nos chamando de Didi (irmã mais velha). Enquanto Betty ficou lá, acompanhei os adultos para o funeral. Foi triste como deveria ser. Para a cremação, eles colocam lenha leve na pedra especial para isso, colocam o corpo coberto de panos por cima, depois outra camada de lenha pesada e acendem uma fogueira alta enquanto rezam. Eu não imagino qual seria a solução encontrada na atualidade (com a população desse tamanho) se o costume das religiões mais populares fosse enterrar seus mortos. 
Em casa, pela noite, conversamos sobre política na Índia e eles me contaram sobre a corrupção, a ineficiencia do Estado, e a sua insatisfação com a política de cotas para castas mais baixas nos postos do funcionalismo público. O tamanho do reclame era um tanto maior que o da classe média brasileira (por que aqui a pobreza é maior, a insegurança é maior e o suborno quase oficial), mas o conteúdo, quase o mesmo. Eles explicaram que, por esses problemas, votam na oposição (Partido BJP). De qualquer maneira, disseram-me, os problemas não serão resolvidos, visto que a polícia e a justiça não funcionam e a chance de eleição de maioria do BJP no parlamento (que para eles atenuaria os problemas) é remota. A solução da família com a qual estou ficando foi fazer um planejamento de longo prazo para mandar seus filhos para o Canadá e, depois de aposentados na Índia, viverem todos o "indian style of life" num país desenvolvido e pacífico. Nessas palavras, eles me esclarecem a sua opinião: o lado bom da Índia são os casamentos estáveis, a comida e os filhos obediente; e o lado ruim da Índia é o seu "sistema" - desorganização, fofoca e corrupção. Não os culpo por quererem uma vida melhor. Me entristece pensar, no entanto, que a classe média e classe média alta de todo país pode pensar como eles e, assim, esse país com grandes potencialidades e desafios a vencer ficará sem pessoas educadas engajadas no projeto nacional. É uma pena e, acima de tudo, um perigo, pois esse caldeirão de insatisfações e crescente população vai crescer e se mover sem uma lógica de resultados ou desenvolvimento efetivo. Aí está a receita para a instabilidade interna e, devido a posição geopolítica estratégica da Índia, para a instabilidade regional e internacional.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Guru Duara e Mandir - As primeiras experiências do sagrado na Índia

O domingo foi extremamente produtivo. Acordamos bem cedo e Cha cha fez yoga conosco. Ele faz os mesmos exercícios de desbloqueio das articulações que eu e achou muito engraçado que eu conhecia eles. Ensinou um tipo de exercício respiratório, que era um bem avançado, pobrezinha da Betty. De qualquer jeito, foi muito bom fazer yoga pela mamhã antes do dia começar. É impressionante como eu me sinto mais disposta, mais atenta, mais consciente depois da prática. Hoje teríamos um dia longo, planejávamos visitar dois templos na cidade, mas distantes daqui e depois ir às compras. Eu tinha uma desculpa para me empanturrar no café da manhã e assim o fiz. Hoje tivemos café especial do dia da república (que foi comemorado por todo final de semana): Pronta (que se pronuncia Prôn rá) com couve flor ralada, cebola roxa e temperinho verde. Muiito muito bom! Não sei se já comentei, mas nas três refeições se come o mesmo tipo de comida. Não tem nenhuma diferença entre o café e as outras duas, a não ser a bebida que de manhã é chai (chá preto indiano com leite e muiiiiito açúcar) e no almoço e janta pode ser tanto lassi (iogurte com água ou suco e açucar) quanto pani (água, que é servida em copinhos de metal bonitinhos). Passamos a manhã na loja de Cha cha e ele nos ensinou palavras e frases curtas em Punjabi. A diversão dele foi assistir a incapacidade da Betty de pronunciar o "erre", falando "éle" no lugar. Difícil falar punjabi sem erres... Cha cha é muito amável e tem muito gosto em nos ensinar. Ele responde com o máximo de vocabulário que pode nossas perguntas sobre a Índia, o sikhismo e o Punjab. Acho muito interessante como uma família religiosa como essa pode ser tolerante o suficiente para receber e tratar bem pessoas de lugares tao diferentes do mundo, com culturas que muitas vezes parecem se opor. A questão do casamento arranjado, por exemplo, para mim é pouco compreensível e, para eles, uma conduta normal. Conversamos sobre isso pela noite e ele e Cha chi apresentaram os seus motivos para acreditar que esse sistema funciona. Ainda não quero escrever sobre isso aqui, pois mesmo depois das explicações deles e de ver minimamente como se dá a escolha, continuo com as mesmas opiniões que tinha sobre assunto antes de vir para a Índia. Acredito que isso acontece por que eu ainda não tive a humildade e tranquilidade suficiente para perceber o outro e entender o contexto em que esses costumes se processam. Assim que eu tiver uma ideia mais madura do que é viver em um país onde a pessoa não escolhe com quem quer passar o resto da vida (por que eles de fato passam) faço um post extra para contar como funciona. Duas coisas valem ser ditas, por enquanto: o sistema de castas, embora ilegal, ainda parece reger a vida dos indianos que não vivem nas grandes cidades; e o sistema de dotes e casamento arranjado é prática comum. Bom, voltando ao que fizemos no dia, uma das experiencias mais interessantes foi o almoço no templo Sikh (Guru Duara, em Punjabi). O templo era um complexo de mais ou menos uma quadra. Entramos no comodo que guardava o livro sagrado, fizemos reverencias e seguimos para um grande salão de pedra, onde sentamos no chão para ganhar o almoço. Todos os templos Sikhs tem cozinhas e oferecem comida de graça para todos os visitantes. O chão estava cheio de comida, mas sentamos e recebemos os pratos de metal estilo bandeja  e Pronta, Dhal, salada e um delicioso arroz basmati doce com açafrão. Sentar no chão é condição para receber a comida, pois é um sinal de que ninguém está acima de ninguém, uma ideia bem revolucionária para a Índia estamental. Foi interessante e acredito que engrandecedor compartilhar a comida com tantas pessoas, todos próximos uns dos outros e no mesmo nível. A visita ao templo hindu (Mandar, em Punjabi) foi esquisita. A família com a qual estou não gosta da tradição hindu (os sikhs nasceram para se opor ao politeísmo, aos rituais e às superstições), e por isso, ao contrario da visita ao templo sikh, não houve nenhuma reverência, silêncio ou sentimento de que adentrávamos num lugar sagrado. O lugar também não ajudou. Parecia um parque de diversões bizarro, onde as divindades hindus eram os personagens. As esculturas eram feitas de um material simples, pintadas com tintas modernas e haviam caminhos por dentro de uma grande pedra que simbolizava o monte sagrado. Como eu gosto da mitologia hindu, foi interessante ver as pinturas, as pessoas devotas (mesmo que fossem muitas e muito barulhentas) e eu ganhei uma flor do senhor que cuidava do Shiva Linga, o que foi muito especial e agradeci imensamente, imaginando que essa flor e Shiva iriam me abençoar com fertilidade no momento que eu quiser ter filhos. Além de todo esse clima, a impressão lúdica do lugar foi acentuada pela nova atração turística para os indianos: eu. Alta, loira e branca, fui alvo de olhares desconfiados, interessados e jocosos e tirei muitas fotos com gente que não conhecia. Os adolescentes vinham um pouco envergonhados dizer: minha mãe não fala inglês, mas ela gostaria de tirar uma foto contigo, e em seguida eu estava sendo abraçada por uma senhora sorridente. A parte das fotos foi muito fofa, mas todo mundo ficar te encarando é um tanto sinistro. À noite no shopping comprei vários trajes Punjabi para me camuflar, vamos ver se funciona.


sábado, 26 de janeiro de 2013

No Norte!



A viagem de ônibus foi estranha. Eu achava que não estava com sono, mas as dormi umas 6 horas das dez que demoravam para chegar em Jalandhar. Dormi com luz, música pop punjabi alta no dvd do ônibus e a tão famosa sinfonia de buzinas ininterrupta. Paramos apenas uma vez, numa espécie de hotel-parada com parquinho para crianças. Desci do ônibus sonolenta, com muito frio e totalmente perdida. Já era pra eu estar com fome a essa hora, mas nada. Acho que eu fico assim, com os sentidos e necessidades meio suspendidas quando nervosa. O lugar era muito caricato, com tendinhas fake vendendo mel, comidas e frutas. Um dos restaurantes (o maior dos dois que haviam)  era totalmente vegetariano, mas não me animei a pedir nada além de um café com leite. Eu só não estava mais deslocada que um velhinho, com a maior pinta de inglês, de camisa branca e um casaco do metrô de Londres, que tomava um milkshake meio desconfiado. Acho que só nos dois nesse lugar não éramos indianos. Além dessa visão esquisita da hotel-parada, as outras que passaram pelas grandes janelas do ônibus não chamaram a atenção. Muitas cidades do interior, todas muito pobres e cor de areia. Chegar em Jalandhar e encontrar Jimmy na parada do ônibus foi um alívio. A minha peregrinação tinha terminado, ufa. Ele veio me buscar com a minha colega de quarto, uma querida chinesinha, Lingrong Ye, que chamamos de Betty. Niguém conseguia falar o meu nome, então eu disse que poderiam me chamar de Lu. Jimmy riu muito e disse que Lu em punjabi quer dizer quente (que como no inglês  pode ser quente e, na gíria, gostosa). Ok, ok me chamem como quiserem/conseguirem (agora dentro de casa eles me chamam de Lu, mas na rua, de algo como Liítza). A mãe e o pai da família me receberam tão bem quanto Jimmy, com abraços e boas vindas. Me pediram para sentar na cama com eles (onde também estavam Jimmy e Betty) e perguntaram sobre a viagem, sobre como eu me sentia e falaram que eu agora estava em casa. Ofereceram suco, um computador para falar com a minha família e avisaram que quando eu quisesse Cha chi (a mãe) serviria o jantar pra mim. Muita amados, que bom, vai ser ótimo. A comida de Cha chi é famosa por ser muito boa e eu comi muito (muito mais do que eu como normalmente) em todas as refeições, apesar de até agora não ter sentido fome. Elem não param de me servir coisas diferentes e, gente, é muito diferente mesmo. A base da refeição é o Chapati, uma panquequinha sem ovos, que é usada para recolher com as mãos os outros pratos que podem ser Dahl (lentilha, grão de bico ou feijão cozidos e temperados), conservas em geral (muito boas e picantes, de pelo menos três tipos diferentes) e Raita (iogurte com sal, especiarias e alguma outra coisa como grãos ou frutas). Já estou dominando bem a arte de fazer mini cones com pedaços do Chapati para colocar o resto e boca a dentro. Ficaram animados quando disse que era vegetariana e eu aproveitei e contei causos engraçados que permeiam a vida de vegetarianos no Brasil. Cha chi disse que vai me ensinar receitas se eu acordar antes das oito, que é quando ela começa a cozinhar. Eu não consegui dormir mais do que isso nessa noite em que eu deveria estar cansada, então parece que vai dar. Hoje fomos com Cha cha (o pai) aprender a vender ouro (eles tem duas lojas de jóias na cidade). Era feriado nacional (dia da república aqui) e a loja não teve movimento. Foi muito divertido de qualquer maneira, por que ele ficou fazendo truques de mágica e nos mostrando vídeos do ano novo deles, com todo mundo dançando. O melhor do dia, no entanto, ainda foi a ida ao centro comercial pela manhã. Ele é distante uns dez minutos de casa e fomos de moto até lá. Sentir o vento gelado no rosto nessa manhã clara, podendo ver as pessoas começando seus afazeres matinais, a cidade funcionando e viver mais de perto o transito maluquinho foi extremamente revigorante. Era a vida ordinária para todos e para mim, recém chegada, curioso. Uma sensação muito engraçada de fazer parte do mundo normal indiano (a cidade não é turística  nem cosmopolita), se sentir acolhida (graças aos meus queridos anfitriões) e saber, ao mesmo tempo, que nada de mim pertence a esse lugar, a  esse modo de vida, a essas pessoas que vivem do outro lado do mundo (tendo como referência o que eu acho que é meu lar). Agora vou descansar um pouco e esperar Cha cha voltar. Ele me prometeu que contaria a história dos Sikhs (a religião da família) e conversaríamos sobre a Índia antiga. Ele parece saber muito de história e tem paciência para explicar tudo. Estou com meu caderninho (viu, Ju) a postos!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Novas Impressões em Nova Déli

Cheguei em Nova Déli. Fiz dois amigos indianos durante o voo. Eles trabalham metade do ano no Brasil e metade na Índia. Conhecem Porto Alegre e tudo. Me ajudaram bastante, sempre queridos e prestativos e deram uma leve atrapalhadinha no final. Queriam me levar até o lugar onde eu pegaria o ônibus para Jalandhar. Eu explicava que já tinha comprado a passagem e sabia o nome da empresa e eles indignados dizendo que não existiam ônibus interestaduais saindo do aeroporto. Depois de perguntarem pra várias pessoas eles descobriram um cara da empresa. Começaram mansinho perguntando coisas e logo (parecia pra mim) se desenrolou uma discussão meio tensa. O cara alto de turbante vermelho da indo-canadian buses negava algo, muito sério, aos meus amigos baixinhos. Eles me traduziram desesperados que só haveria ônibus às 12 horas. Eram 10 horas da manhã. Eu fiquei aliviada com o tamanho do problema, já que, nessas ultimas 30 horas, um terço delas eu havia passado esperando avião. 2 horinhas não iriam me matar. Mostrei o bilhete do ônibus impresso pro cara da companhia que mexeu a cabeça (indianamente, uma mistura de sim e não graciosa e indecifrável) e disse: Follow me (Siga me). Eu o segui meio correndo com minhas malas bambas no carrinho - pensava que ele me daria um bilhete novo, com a hora da partida escrita ou que iria guardar minha bagagem. Os meus amigos continuavam me acompanhando correndo na minha volta, sem saber o que estava acontecendo. Os sapatos pretos com a fita vermelha para combinar com o turbante davam passos rápidos carregando a atmosfera de urgência. Chegando ao lugar desejado, que no caso era um banco qualquer fora do aeroporto, o cara disse, muito sério: Now seat here and wait til twelve (Agora sente e espere até às doze). Essa foi boa. Agradeci, dei tchauzinho pra esse maluco e empreendi a árdua tarefa de convencer meus novos amigos de que eu ficaria bem, voltaria pro aeroporto acessaria a internet, comeria algo e pegaria o ônibus certinho às doze horas. Eles me deixaram sozinha meio a contragosto e eu não tive como não levar a sério a preocupação deles. Um tanto apreensiva com a minha situação e lembrando da cara feia que o homem da indo-canadian fez pra mim (uma mistura de desprezo e irritação) voltei pro aeroporto. Essa parte do Aeroporto Indira Gandhi era estranha e vazia. Policiais pesadamente armados te olhavam com jeito de poucos amigos e a sensação de que ser estrangeira também queria dizer ser boba e desprezada apertava meu estômago.  Tá vou focar em achar Wi-fi decente e viver a alegria parte real e parte artificial de estar conectada com o mundo, praticamente semi-onisciente. Nenhum sinal grátis e os pagos precisavam de um numero de telefone local. Droga. Sozinha, sem comunicação, num cenário um tanto hostil. Choro embolou na garganta enquanto eu comia a minha primeira refeição absurdamente apimentada da viagem. Mas ia fazer beicinho pra quem? Pensei em ordem: 20 anos, tu escolheu, agora aguenta. Engole o choro, como dizia a mãe. Fui me acalmando e elevando os pensamentos. Aos poucos uma sensação de expectativa e felicidade me tomava, enquanto eu pensava em como era sensacional estar aqui. Se eu pulo de felicidade ao saber que tem um festival de filmes indianos em Porto Alegre, qual não deve ser o tamanho da minha satisfação por poder ver ao vivo e sentir essa realidade pela qual me interesso tanto. Além disso, me motivei a melhorar por que lembrei que não dá pra bobear e ficar emanando energia de baixa frequência por aí, que só dá porcaria. A minha mala, mesmo cercada de boas energias, não abriu pra que eu pudesse pegar um casaco que me ajudasse a enfrentar a neblina e os oito graus em Déli. Om Namo Narayanaya, deus dá o frio conforme o cobertor. O tempo abriu e agora um sol bonito e quente queima a minha cara enquanto espero o ônibus. Hari Om

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Bem longe ainda

Ok, a senhora que me atendeu no guichê da Emirates disse: "Agora, recolher as bagagens só em Déli". Soou fundo em mim essa frase. Foi como se ela dissesse: "Agora, só falar a língua que não é tua, ir para lugares que tu não conhece, sem ninguém para te ajudar e sem garantia de encontrar ou reconhecer companhias confiáveis". Coragem. Nesses meses, dias e horas antes de entrar no avião eu permaneci, na maioria das vezes, tranquila e, se preocupada com algo, pensava que iria esquecer de levar algo na mala, só isso. Eu sou muito otimista. Confio no mundo e confio no meu taco, mais do que a maioria das pessoas. Deve ser por que eu sou jovem e bem protegida. Nunca o tamanho simbólico da viagem em si se desvelou pra mim, nem de perto (da quilometragem nem tanto, também), mas a ideia de que ir para Índia não era uma coisa banal ou ordinária nunca existiu dentro da minha cabeça. Aos poucos, o ambiente foi me mostrando que eu estava saindo do meu lugar de comodidade e costume no mundo e iria conhecer realidades distintas. De verdade. Ir para os Estados Unidos não foi isso, ir para lugares clássicos da Europa não foi isso. O fato de eu estar sozinha, com certeza, aumenta minha atenção aos detalhes em volta. As pessoas na fila do check-in da Emirates eram tão diferentes umas das outras que quase não parecia que algum dia eles pertenceriam ao mesmo grupo - provavelmente não por interesses comuns ou experiências compartilhadas - a não ser esse, dos passageiros do voo EK0248 para Dubai. Tinha uma moça de olhos puxados, coturnos, vestido de renda branco com uma cauda enorme e duas bagagens: uma lancheira e uma mochila-mala infantil do Bob Esponja. Tem um grupo de sete caras altos, morenos e bonitos sentados do meu lado na praça de alimentação que pelo que eu consegui reconhecer (adivinhar?) falam árabe e agora jogam algum tipo de jogo de cartas que envolve mais palavras e movimentos corporais (como levantar e simular uma cabeçada de futebol) do que de fato olhar as cartas. E o que devo ser eu, uma guria novinha, sozinha, com cara de assustada, imagino, brasileira e "não parece brasileira" como já me disseram dois nesse inicio de viagem e tantas vezes nas minhas outras viagens. Estranha, no mínimo. Vai mundo, me mostra tuas caras loucas, peculiares e comuns. Vai, Luiza, desfaz e refaz tuas imagens de si mesma. Há de promover estranhamento saudável e não-confortável, essa exposição. Tomara que eu tenha fôlego.


Voo para Dubai atrasado: de saída às 3:00 am para às 5:30 am :)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Amanhã vou-me! (e bem-vindos!)


E eu vou pra Índia. Não parece muito tempo, 47 dias de estada. Pessoas têm me dito que é bastante tempo, ainda mais num país tão diferente do meu país natal, tão longe. Vou descobrir se é ou não. Provavelmente essa minha impressão (da quantidade de tempo) vai depender do tipo de experiência que eu terei lá. Pra saudade eu espero que seja pouco tempo. Pro aprendizado eu espero que seja um tempo longo, bem aproveitado, e que ele não termine (como não começou) na viagem, só se intensifique no período dela. Faz três anos que comecei a me interessar pela Índia (primeiro com o yoga, o hinduísmo e depois com a curiosidade científica, na faculdade). Acredito que esse interesse perdurará e tenho quase certeza – toda a certeza que se pode ter num mundo de infinitas possibilidades – que não será a última vez que visitarei esse país. Estou indo viajar através de uma instituição sem fins lucrativos (AIESEC) que promove o intercâmbio de estudantes pelo mundo, queiram eles trabalhar de forma remunerada ou não remunerada nos países. Esses estudantes são engajados em projetos que tem como objetivo comum e maior a troca cultural. Eu, portanto, com a minha bagagem de mão, de vida vivida e pra viver, vou oferecer a força de vontade e a novidade da minha juventude a uma comunidade em Jalandhar, no Punjab, norte da Índia. Do meu lado dos objetivos, existe aquele que permeia toda minha vida (ou espero que permeie): o do autoconhecimento, do desenvolvimento pessoal baseado no amor, na gratidão e no respeito, e da integração do meu eu comigo mesma e através disso, minha integração com o universo. A Índia, eu sinto e leio e entendo, é um país que concentra conhecimento de sobra sobre as transcendências e o sagrado, coisa que não nos falta brutalmente no Brasil, mas na percepção do ocidente como um todo, falta. O meio para alcançar meus objetivos através da viagem é, portanto, absorver, aprender, observar. Estar atenta ao presente e guardar dentro de mim o que seja significativo. Essa posição de aprendiz na filosofia indiana, é indicada como a primeira fase da vida de todos nós, onde somos, principalmente, estudantes (sisya em sânscrito, por isso o nome do blog) e devemos seguir nossos gurus com disciplina obediência e calma. Espero que eu seja sisya e antevasin (aquele que serve e acompanha seu guru) para a Índia, assim como eu sei que ela será um sábio e generoso guru. Quem quiser acompanhar o meu caminho por aqui, é muito bem vindo. Seja para descobrir coisas sobre esse país maluco que é a Índia ou pra trocar ideias sobre questões mais universais, cheguem mais e preencham esse espaço de diálogo comigo! Desejem-me bons auspícios! Shanti Shantiii