sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

No trem para Agra


Ontem foi um dia cheio. Estávamos tranquilas na loja do Cha cha quando o Jimmy chegou, dizendo que tinha que entregar uns papéis na faculdade dele e perguntando se não gostaríamos de ir junto. A faculdade dele fica em outra cidade e ainda passamos na casa de alguns amigos dele para dar carona. O caminho para a faculdade era feito de fazendas, fábricas de tijolos, plantações de cana de açúcar, de flores, criação de cabritos e, é claro, muitas vacas por todo o lado (eu descobri que as vacas que andam sozinhas pelas ruas da Índia têm dono, elas saem para comer grama por aí e de noite voltam pra casa direitinho!). O college do Jimmy era um complexo de prédios relativamente novos no meio do nada. Tudo meio em construção, meio abandonado, estranho. E eu sei que ele paga caro pelo estudo. Encontramos um dos diretores do college enquanto caminhávamos pelo prédio, um senhor de uns 60 e poucos anos, vestindo um terno claro, cabelo preto pintado bem penteado, um bigode volumoso e um Ray Ban clássico dourado com lentes espelhadas todo torto. Logo que nos viu ficou todo animado com as "estrangeiras" e resolveu nos mostrar as partes novas do prédio, falar sobre a história da faculdade e, é claro, tirar fotos conosco. O Jimmy meio que achava engraçado e meio que achava chato. Ele disse que a turma dele é conhecida por ser bagunceira e não vir nas aulas e que esse diretor odeia eles. Depois da visita ao prédio, demos uma passeada pelo campus e tomamos suco de frutas feito na hora, quer dizer, eles tomaram, por que eu não consigo tomar bebidas salgadas e eles põe sal até no suco. Na volta do college, visitamos um Guru Duara (templo sikh) que tinha no caminho e pegamos um prasàda (que é prato ou refeição) muito eca que eu não consegui comer. Eu já estava chateada por estar sendo tão fresquinha, recusando o suco, não comendo o troço do templo, mas aquele dia eu não tava com a maior capacidade do mundo de aguentar o que eu não queria. Pra completar, quando estávamos indo para o carro um corvo maluco resolve me atacar. Eu não sei se tem corvos no Brasil, mas aqui no Punjab tem vários e eles são enormes, pretos e bicudos. Ele bateu na minha cabeça com o corpo e eu senti as garras dele raspando no meu couro cabeludo. Não foi grave, não me machuquei, mas eu não consegui fazer outra coisa se não chorar. Eu já estava me sentindo mal e estou de TPM, receita pro chororô. Tentei segurar o choro, mas não deu e lá estava eu esfregando a cabeça e chorando, me achando ridícula e o Jimmy e os amigos não entendendo o que estava acontecendo. Acho que eu estava a um tempo guardando todas aquelas mini coisinhas que te chateiam e que tu não pode mudar quando estás hospedado na casa de outra pessoa, dividindo teu espaço com gente nova e elas jorraram pra fora por causa do corvo bobo. Conegui rir um pouco quando disse que o corvo deve ter pensado que o meu cabelo era capim seco e quis pegar, aí ria e as lágrimas pulavam dos meus olhos. Me assustei, parecia uma guriazinha pequena. E eu que não sou muito generosa com as minhas demonstrações de fraqueza (e por consequencia, com as de ninguém) fiquei muito braba comigo mesma, chateada. O Jimmy confirmava o temor do meu ego de ter sido pego desprevinido enquanto me dizia "eu não sei como vocês viajam sozinhas, não dá pra ser assim, tem que ser corajosa enquanto viaja", "o que tu vai fazer se um cachorro tentar te morder?" e coisas do tipo. Merda, agora eu era O bebê chorão. Me deixa extremamente desconfortável ser vista desse jeito, já que eu me esforço brutalmente pra ser reconhecida como a sensata, a racional, a que controla os sentimentos. Bem feito. Valeu corvo, não arranhou a minha cabeça mas alcançou fundo da minha auto-imagem com as tuas garras. Seguimos de carro para o início das elevações da área dos Himalaias para ver macaquinhos. A subida foi muito bonita e o ar fresco e geladinho da montanha aliviava as minhas narinas da poeira usual. Compramos dois sacos de pão de forma para dar pros macacos, mas não saímos do carro. As vacas que ficavam por perto já sabiam que os macacos seriam alimentados e ficaram enfiando a cara pra dentro do carro, querendo roubar o pão. Vacas alucinadinhas engraçadas. Os macaquinhos eram muitos, com o pelo castanho claro e aquela expressão de micos aparentemente tristinha, mas por dentro sapeca. Eles comeram todo o nosso pão e ainda tentaram arrancar pedaços da sacola de plástico que o querido do amigo do Jimmy jogou pela janela do carro sem nenhum pudor, contribuindo pro habitat de lixo amontoado dos bichinhos. Muito errado isso. Gente jovem, educada, jogando lixo assim. Infelizmente não foi a primeira vez que eu vi isso acontecendo aqui e provavelmente não vai ser a última, a julgar pela sujeira que vejo em todos os lugares. Agora estou no trem para Agra, que chegou atrasado em 1 hora e meia na estação, na plataforma errada. Foi uma correria louca pra achar o vagão e nem sei como que nós vamos saber que chegamos em Agra, já que as estações não tem nenhuma placa e nem sinal de voz avisando dentro do trem. Daqui a pouco eu me preocupo com isso, por que a viagem demora onze horas e estamos recém na metade. Por enquanto, desfruto de um mergulho interno bom enquanto a Betty dorme na cama do lado (não sei como, por que a cada 5 segundos passam homens gritando "chai, chai" e abrindo nossas cortinas) e eu ouço meu CD favorito a uns cinco meses, Clube da Esquina. Até!

Nenhum comentário:

Postar um comentário