|
Né |
Estou num dos melhores trens que já peguei até hoje aqui na Índia, uma linha expressa entre Déli em Amritsar que me leva confortavelmente em 5 horas para Jalandhar. Bom voltar. O sentimento é de que eu vou fazer uma viagem de 10 dias pro Brasil, começando hoje. Caminhando devagarinho pra casa, com uma parada de um pouco mais de uma semana na minha casa indiana para descansar, comprar as coisas que eu quero levar para o Brasil e, se for possível, ir digerindo o que foi a Índia na minha vida nesses últimos 50 dias.
|
Paredes do palácio da Cidade - Jaipur |
Mas eu ainda não contei do Rajastão. Que lugar! Índia boa e Índia má, mas Índia muito linda, meu deus. Eu tinha planejado tudo de Jalandhar (nos mínimos detalhes = tempo livre). Sairia de Jalandhar para Jaipur, de lá para Udaipur, depois, Jodhpur e, por fim, Jaisalmer, que tem sido alardeada como A cidade para se visitar por esses cantos nos últimos tempos. De expectativas eu carregava as coisas lidas no livro da Luciana Tomasi (Spa na Índia), as coisas vistas nas fotos do Steve Mcurry e muitas outras coisas imaginadas através das buscas pela internet por dicas. Como eu iria viajar sozinha, marquei todos os hotéis, trens e ônibus antes e conferi atrações e restaurantes. Eu sabia que não iria sair tudo como planejado, eu até desejava que assim fosse, só não queria ficar patetiando procurando coisas ao invés de fazendo coisas nos lugares, por que afinal eu só tinha 2 dias em cada cidade. Jaipur foi a cidade de entrada e introdução à lógica de funcionamento dessa terra de marajás. Cada cidade tem seu forte, palácios e lindos havelis (casas antigas de sandstone com fachadas entalhadas). A maioria delas também tem lagos artificiais construídos no período de opulência rajputa para abastecer a cidade com água e mitigar o sol escaldante.
|
Pessoal da UFRGS se encontrando por acaso nessa Índia imensa |
O palácio da cidade de Jaipur era lindo, com claras influências da arquitetura mogol, mas ainda assim rajastani por que mais colorido e mais brilhante que a austeridade muçulmana/formalidade persa e em todo lado enfeitado com imagens dos pavões e suas penas (comuns na região). Visitando o Hawa Mahal (palácio dos ventos) - bonito por sinal, mas nada importante - encontrei a Thaís e a Bianca, que também estavam aqui na Índia (em Jalandhar) pela AIESEC, e eu conhecia da faculdade. Elas tinham planos diferentes dos meus e já estavam partindo pra Jaisalmer, mas, ao nos ouvir falar português, um homem se aproximou, perguntou "brasileiras?" e ficamos conhecendo o Fábio, paulista, que viajava sozinho, mas em Jaipur andava com um grupo de franceses. Como estava solita também, resolvi juntar-me a eles e foi uma sorte boa tê-lo encontrado, pois viajamos juntos pra todas as próximas cidades e foi muito mais seguro e agradável estar acompanhada.
|
Amanhecer em Udaipur |
Chegamos em Udaipur por volta das 5 da manhã e eu fui direto pro meu hotel. meu quarto não estava pronto ainda e eu fiquei observando o sol nascer no terraço do hotel, que tinha uma linda vista pro lago. Maravilhoso ver as cores mudando, as casas acordando, as primeiras mulheres chegando nas escadas da beira do rio para lavar roupas. Essa cidade, ou, na verdade, a parte dela mais voltada para o turismo, era uma delícia. As ruinhas estreitas que irradiavam das pontes do rio eram cheias de havelis transformados em hotéis, lojas e barzinhos, com uma quantidade impressionante de restaurantes em terraços para aproveitar o céu azul e a brisa fresca. Pelo visto Udaipur é destino de jovens mochileiros de todo mundo e também velhinhos aventureiros (principalmente franceses, italianos e ingleses pelo que pude notar). Com esses dois públicos o comércio local evolui em uma combinação agradável de lugares bons para se descansar, comer um almoço chique, apreciar a arte regional (limpos, bonitos, calmos) e lugares bons para se fazer happy hour ou comer ótimos thalis (prato feito indiano) por um preço justo. Como mesmo assim é Índia (a populosa Índia), se ficará bem feliz ao ir ao "sunset point" na margem oposta da agitação e pegar um bondinho até um local para apreciar quase sozinho (ufa!) o ocaso acontecendo na silhueta das ondulações que cercam a cidade. Relaxante.
|
O tal do sunset point |
Quase tão relaxante quanto a massagem ayurvédica que eu fiz esses dias com uma senhora muito experiente, que esfregou óleo de abacate em mim até que eu quase virasse um abacate. Em Udaipur também pude fazer uma aula de culinária indiana e aprender sobre a combinação de temperos, os métodos básicos de preparação da culinária indiana e muitas receitas gostosas (foram 20 pratos em 4 horas!). Eu já vinha aprendendo com a Chachi em casa, mas ter tudo anotadinho no papel me dá uma segurança meio boba, mas ainda sim válida, de que vou conseguir reproduzir um pouco dessa riqueza gastronômica quando voltar pro Brasil. Tudo que eu comi até agora era muito bom, falando sério (menos water ball, mas né). Qualquer biboca que tu vai tem aquele arroz basmati cheiroso, chapatis quentinhos e um Dahl especial. As pessoas riem quando eu respondo que "sim já passei mal por causa de comida aqui na Índia, duas vezes...e foi por que eu comi demais, muito mais do que eu poderia". Quem não acreditar pergunte aos 3 quilos a mais no meu corpitcho que as balanças daqui acusam. Enfim, deixar Udaipur foi triste e eu cruzava os dedos para que as cidades a seguir fossem tão ou mais interessantes que essa (o que, infelizmente, não se realizou). A estada em Jodhpur foi agradável. Fiquei num hotel mais carinho, que era a casa de um marajá transformada em hotel e pude conversar com a família dona do hotel e eles me contaram várias coisas sobre a vida dos marajás e as tradições rajputas. O forte de Jodhpur era o que tinha melhor estrutura de museu, com partes temáticas muito organizadas e com audio-guia bem-feito incluso no valor da entrada. Fora isso, divertido foi passar um dia todo com a roupa tradicional rajastani (que consiste em uma saia comprida, um top com mangas e uma blusa cavada - as três peças do mesmo tecido - e um lenço grande preso na saia, que dá a volta no corpo e cobre a cabeça - com as cores combinando com o padrão do resto da roupa). Eu achei que ia me "disfarçar", mas ao invés disso, chamei muita atenção e recebi centenas de sorrisos de moças, senhoras e senhores, que comentavam como ficava bem em mim e me falavam que faltavam as pulseiras e o bindi. Que bom que eles acham tão lindo o que é deles.
|
Luiza Rajastani causa ribuliço |
Jaisalmer era uma cidade pequena, pobre, bem mais para dentro do deserto que as outras e o forte, apesar de bonito, é usado por hotéis, restaurantes e lojas e já faz alguns anos que tem problemas de desmoronamento por causa do mal uso da sua estrutura. Antes do esperado safári de camelo, conseguimos por acaso assitir uma cerimonia de adoração à Lakshmi (divindade da riqueza, esposa de Vishnu), que nos causou uma impressão muito forte pelo vigor do canto, das palmas, da devoção. O safári terminou a viagem de um jeito muito especial. Andar em camelos realmente não é a coisa mais confortável do mundo, mas fizemos a maior parte do trajeto com um jipe. Mesmo tendo procurado uma agência que alegava bom tratamento aos camelos, não fiquei feliz em controlar o bichinho por um "piercing" no nariz de lado a lado e perceber ele cansado ou contrariado. Ainda bem que foi curto. Chegamos nas dunas lindas um pouco antes do pôr do sol, que foi um show de cores (as fotos podem dizer mais que eu, nesse aspecto).
|
Surya! |
Gratidão por viver nesse mundo maravilhoso (será que nós achamos a natureza linda por que ela realmente é ou por que ela é a única natureza que nós temos?). Depois fomos pro acampamento, comer uma refeição simples e muito saborosa, temperada com pouca pimenta e muita fome. O céu foi escurecendo e se enchendo de pontos brilhantes de muitos tamanhos, estrelas cadentes e, ao deitar, parecia que eu estava debaixo de uma árvore muito densa e que raioz de luz brancos penetravam nos vãos entre as folhas. Dormir nesse cenário e com o silêncio do deserto foi uma das melhores coisas que eu já vivi. Acordei muito tranquila com um chai quentinho na manhã gelada e depois de mais algum tempo com os camelos nas dunas, partimos. Feliz, muito feliz passeei pela cidade até o horário do meu trem e aqui estou há mais de 20 horas em trens. Foi uma viagem maravilhosa, mas não tão eu-comigo-mesma como eu esperava. Tudo bem, deve ter sido para o bem. E tanto não era pra ficar sozinha, que me foi colocado do lado no trem um indiano muito falante com sua filhota, que preencheram 7 das 15 horas da viagem de jaisalmer até Déli com histórias, pensamentos sobre a vida, a Índia, a carreira e alguma camaradagem (ganhei muito chai e biscoitinhos). Esperando o meu trem chegar na estação conheci uma senhora russa, Natália, que começava a sua 10ª estadia na Índia, para visitar lugares sagrados importantes para os Hare Krishna. Conversamos sobre a natureza de Deus, o por que da existência do mal e se afinal o mundo material é ilusão ou realidade. A nossa conversa acabou, no entanto, no momento em que chegaram duas moças inglesas que pegariam o mesmo trem que eu (para Amritsar) e que tinham acabado de passar o carnaval no Brasil. Passei minhas dicas do Rajastão para elas (elas estão indo depois do passeio pelo Punjab) e elas falamos sobre o Brasil, sobre a maluquice da Índia e sobre a minha ida pra Londres ano que vem (elas insistiram, fazer o que, hehe).
E foi isso! Cabei de chegar em casa e agora contarei para eles sobre a viagem e tudo mais...Até!